"Não odeie a mídia, seja a mídia" - Jello Biafra

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Arte, Cultura, Economia, Esporte, Política, Religião... Os dias atuais em suas mais diferentes matizes pedem uma reflexão crítica, franca, honesta e aberta que este espaço não só se propõe como está disposto e irá fazê-la de maneira democrática, independente e livre. Além das análises dos assuntos mais relevantes, este blog está subdividido em outras partes para que o público leitor possa ser atendido naquilo em que mais gosta: Notícias, Envio de Mensagens em SMS, Enquete, Sites Sugeridos, Vídeos, Livros Sugeridos e, logo abaixo deste texto de apresentação, estarão nossos Editoriais. Suas opiniões são muito importantes para que sempre possamos nos aprimorar cada vez mais e atendê-los melhor. Você pode deixar seus comentários nos próprios posts ou então em nosso e-mail: panoramabr@gmail.com. Bem-vindos à Panorama BR, a mais nova revista digital brasileira de análises, arte, atualidades, cultura, informações e notícias da Internet. Que a nossa presença possa ser não só prolongada, mas, principalmente, útil.

Editorial

Em breve.

sábado, 5 de dezembro de 2015

O Legado de Marília Pêra



Morreu hoje, em sua casa no Rio de Janeiro, às 5 horas da manhã, a atriz, cantora, diretora, bailarina e coreógrafa, Marília Pera, aos 72 anos de idade. Até o momento em que este texto foi escrito não se sabia a causa exata da morte: a família da atriz disse que foi devido a um desgaste ósseo, mas colunistas de televisão tais como Hildegard Angel e Fernando Oliveira afirmam que foi um câncer no pulmão em estágio avançado.
Marília Marzullo Pêra nasceu em 22 de janeiro de 1943, no Rio de Janeiro. Seus pais, Manuel Pêra e Dinorah Marzullo também eram atores e foi com eles que a pequena Marília fez sua estreia nos palcos aos quatro anos de idade. Atuou como bailarina dos 14 até os 21 anos em musicais e teatro de revista como, por exemplo, Minha Querida Lady (1962), estrelado por Bibi Ferreira e A Pequena Notável (1966), peça dirigida pelo ator Ary Fontoura na qual Marília interpretava Cármen Miranda.
Em 1964, venceu a cantora Elis Regina na disputa pelo papel principal da peça Como Vencer na Vida Sem Fazer Força
Sua estreia na televisão foi em 1965 nas novelas A Rainha do Sobrado e A Moreninha.
Em 1968, foi presa pela ditadura militar que tiraniza o Brasil enquanto atuava na peça Roda Viva, de Chico Buarque, e foi obrigada pelos agentes da repressão a correr nua em um corredor polonês. Tida como uma comunista pela ditadura, foi presa novamente quando policiais invadiram sua casa assustando a todos, inclusive a seu filho de sete anos, que dormia.
Em 1969, teve um grande sucesso com a peça Fala Baixo, Senão Eu Grito, da dramaturga Leilah Assumpção, que lhe valeu o prêmio de Melhor Atriz da Associação Paulista dos Críticos Teatrais (atual Associação Paulista dos Críticos de Arte - APCA).
Sua estreia no cinema foi em 1968, no filme O Homem Que Comprou o Mundo, do diretor Eduardo Coutinho (de Cabra Marcado Para Morrer). A consagração internacional veio em 1980, com o filme Pixote, a Lei do Mais Fraco, do diretor Hector Babenco (de O Beijo da Mulher-Aranha). Marília interpretou a prostituta Sueli, papel que lhe valeu, nos EUA, os prêmios de Melhor Atriz do Boston Society of Film Critics, National Society of Film Critics, além do segundo lugar como Melhor Atriz Coadjuvante no New York Film Critics Circle.
Em 1983, conquistou o prêmio de Melhor Atriz com o filme Bar Esperança, dirigido por Hugo Carvana (de Vai Trabalhar, Vagabundo) no Festival de Gramado. Por esse mesmo trabalho, ganhou o prêmio de Melhor Atriz da APCA, em 1984.
Em 1991, conquistou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cartagena (Colômbia) pelo filme Dias Melhores Virão, dirigido por Cacá Diegues (Bye, Bye Brasil).
Seu último trabalho no cinema foi em 2008, com Polaróides Urbanas, de Miguel Falabella (A Dama do Cine Shangai), que lhe deu o Prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cinema Brasileiro de Miami.
Seu último trabalho na TV foi o seriado Pé na Cova, no papel de Darlene. Marília trabalhava na série desde 2013, até afastar-se neste ano para cuidar da saúde.
A dramaturgia brasileira está agora com um vazio impossível de se preencher. Que ela descanse em paz. 


Veja aqui um vídeo de Marília Pêra interpretando a canção 120... 150... 200 Km por Hora, de Roberto Carlos:


Publicado no Observatório do Cinema e no LinkedIn

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Star Wars pode tirar Disney do buraco


A Disney é considerada a maior companhia de entretenimento do mundo – que inclui os seus famosos estúdios cinematográficos - tendo, nestes últimos anos, adquiridos outras grandes companhias do ramo tais como os estúdios de animação Pixar e a editora de HQs Marvel. Com um arsenal desses, imagina-se, a companhia fundada pelo finado animador, cineasta e produtor Walt Disney não tem que fazer nada além de sorrir esperando o dinheiro chegar.
Entretanto, como é sabido, o mundo das finanças costuma pregar peças. No último dia 4 de agosto, a Disney publicou o seu balanço trimestral. Embora tenha apresentado lucro, puxados principalmente pelos seus últimos sucessos no cinema, este ficou abaixo do que era esperado, o que fez com que as ações da companhia na bolsa de valores de Wall Street sofressem uma forte queda de 9%. Foi o bastante para soar o alarme.
Porém, é justamente uma outra companhia adquirida pela Disney, em 2012, que pode tirar os habitantes de Disneyworld e Disneylândia desta situação de fio da navalha na qual se encontra atualmente: trata-se da Lucasfilms, a companhia cinematográfica fundada pelo cineasta George Lucas, que nada mais é que o criador da saga Star Wars que, após um hiato de 10 anos, retornará no próximo dia 18 de dezembro com o próximo e aguardadíssimo filme da franquia, Star Wars: O Despertar da Força.  
O analista financeiro da companhia de investimento estadunidense Stifel Nicolaus, Benjamin E. Mogil, crê que o filme dê um lucro de U$ 2 bilhões em todo o mundo. Outro analista, Paul Dergarabedian, da agência Rentrak diz que “Há um pequeno filme chamado Star Wars: O Despertar da Força, vindo em dezembro e que deve quebrar recordes como nunca se viu antes”.  Para ele, o novo filme da saga irá ajudar nos números da Disney, especialmente na época de seu lançamento, dezembro, época de férias e de festas de final de ano.
O analista afirma que “Com certeza o filme irá quebrar o recorde de maior abertura em um fim-de-semana de dezembro. Nós nunca vimos um filme abrir com mais de U$ 100 milhões de bilheteria em dezembro, e isso vai acontecer com Star Wars”.
E acrescenta, com uma dose de delírio:
Star Wars vai dar frutos para os próximos 10, 20 e até mesmo 100 anos. Este é um plano de 100 anos para a Disney, com todas estas várias propriedades. Em seguida, essas mesmas propriedades vão para a tela pequena, então há a venda de produtos associados a Star Wars”.
A Força é mesmo uma aliada poderosa. Mestre Yoda e Mickey Mouse que o digam...

Veja aqui o trailer oficial de Star Wars: O Despertar da Força (legendado em português):




segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Panorama no Cinema| O Exterminado do Futuro: Gênesis

Poster do filme O Exterminador do Futuro: Gênesis

Este é o quinto filme da franquia O Exterminador do Futuro, iniciada em 1984, e que pretende ser o início de uma nova, com mais dois filmes planejados para 2017 e 2018. Sendo esta a intenção, então, pode-se dizer que as coisas começaram da maneira imaginada.
O filme começa com uma premissa conhecida: no ano de 2029, a guerra entre humanos e máquinas chega a seu momento decisivo. Porém, o supercomputador Skynet tenta uma última cartada e, por meio de uma máquina do tempo, envia um exterminador modelo T-800 para o ano de 1984 para matar Sarah Connor (a inglesa Emilia Clarke, da série de TV Game of Thrones), a mãe do líder da resistência humana, John Connor (o australiano Jason Clarke, de Planeta dos Macacos: O Confronto). Para proteger e salvar sua mãe e também a si mesmo – pois se ela morrer, ele não nascerá – John envia o sargento Kyle Reese (o também australiano Jai Courtney, de Divergente), que, na verdade, é seu pai, para a mesma época. Até aqui, o filme bate com o original, parecendo uma homenagem ao próprio, mas, é exatamente a partir daí que as coisas começam a ficarem tortas...
Ao invés de encontrar-se com uma Sarah Connor indefesa diante de um ciborgue assassino, encontra uma guerreira armada até os dentes em companhia justamente de um ciborgue (Arnold Schwarzenegger, retornando ao papel que não fazia desde O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas, de 2003) chamado de “O Guardião”, mas que Sarah chama de “Pops” (traduzido na versão legendada como “Papi”!). E a surpresa não para aí: quase ao mesmo tempo também aparece um exterminador modelo T-1000 (o sul-coreano Lee Byung-hun, de G.I Joe: A Origem de Cobra) com a missão de exterminar a todos. Um passado bem diferente ao que John Connor havia contado e que faz com que Kyle – assim como toda a plateia – fique completamente confuso.
E para aumentar a confusão, Sarah conta a Kyle que um exterminador foi enviado ao ano de 1973 para protegê-la depois da morte de seus pais e tem planos de viajar para o ano de 1997, em uma máquina do tempo construída por “Pops”, para destruir a companhia Cyberdine, que criou Skynet. Porém, Kyle diz a Sarah para, ao invés disso, irem a 2017, pois, durante sua viagem no tempo teve uma visão dele mesmo quando criança falando de um sistema chama Gênesis, que vai fazer com que Skynet controle todo o planeta. Eles vão para 2017 e lá encontram o seu filho John que trabalha em sua própria máquina do tempo na Cyberdine e que foi transformado em um exterminador, chamado de T-3000, por Skynet (o esquisito Matt Smith, da série de TV Doctor Who).
Deu pra entender até aqui? Talvez com alguma dificuldade. Esse é o principal problema em O Exterminador do Futuro: Genesis, o excesso de novas informações que confundem a história a ponto de os personagens terem que ficarem explicando o tempo todo sobre viagens no tempo, realidade alternativa, etc. Essas novas informações não só bagunçaram como distorceram o roteiro e ideia originais criados pelo diretor e roteirista James Cameron (Titanic) e pela roteirista e produtora Gale Anne Hurd (The Walking Dead).
Essa bagunça toda fez com que Schwarzenegger, que supostamente deveria ser o astro do filme, se tornasse um coadjuvante. Um coadjuvante de luxo, é verdade, mas seu papel no filme acabou por tornar-se secundário. Um talento que foi desperdiçado foi o de J. K. Simmons (vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por Whiplash – Em Busca da Perfeição). Simmons faz o papel do detetive O’Brien, um policial alcoólatra que testemunhou a chegada dos viajantes do futuro. Mas, seu personagem foi mal elaborado e, apesar de toda a competência do ator, poderia muito bem ser dispensado, pois não acrescenta nem faz falta em nada na história. Transformar John Connor em vilão após quatro filmes no qual era tido como líder e salvador da humanidade foi uma péssima ideia.
Embora não esteja mal no filme, Jai Courtney não é o ator certo para o papel de Kyle Reese, pois ele em nada lembra o personagem vivido originalmente por Michael Biehn (de Aliens, o Resgate). E é com Kyle Reese que vem um dos furos do roteiro: no primeiro filme, a foto que Kyle tinha de Sarah é destruída durante um ataque de um exterminador, mas ela milagrosamente reaparece um pouco antes de sua viagem no tempo. Poderiam ter exterminado essa mancada...
Apesar de toda essa “zona”, o filme tem suas qualidades. Os bons efeitos especiais, que vão desde o uso de dublê de corpo para o primeiro exterminador de Schwarzenegger até a tecnologia digital; a direção correta de Alan Taylor (embora não tão boa como em seu filme anterior, Thor: O Mundo Sombrio); o humor com “Pops” tentando parecer mais humano (o riso forçado dado por Schwarzenegger é hilário); o uso das frases-clichês tais como “Venha comigo se quiser viver”, “I’ll be back”. Só faltou o “Hasta la vista, baby”. Boas cenas de ação e, principalmente, a atuação de Emilia Clarke. Além de ter uma ligeira semelhança física com Linda Hamilton, a Sarah Connor original, ela convence como a guerrilheira anti-máquinas de forte personalidade. Também é digna de nota a crítica que o filme faz à dependência que as pessoas têm da tecnologia atual com uso obsessivo de computadores, celulares, tablets, entre outros equipamentos.
O filme, em si, não é ruim, mas também não é melhor do que as dezenas de filmes de aventuras que Hollywood lança todos os anos nas salas de exibições ao redor do mundo. Pode ser visto como uma boa diversão no fim-de-semana, mas assistir uma segunda vez vai ser chato. Se os produtores vão mesmo continuar com a franquia, é melhor acionar a máquina do tempo de “Pops” e trazer James Cameron de volta para dar um “upgrade” nessa mesma franquia que teve uma queda de qualidade notória desde que o diretor de Avatar afastou-se para dedicar-se a outros projetos.
E, com todas essa idas e vindas pelo tempo, felizmente os roteiristas não se lembraram de trazer de volta a ciborgue T-X, pois, se o fizessem, imaginem como ficaria a história...

Veja o trailer oficial de O Exterminador do Futuro: Gênesis (legendado em português):

sábado, 8 de agosto de 2015

Panorama no Cinema: O Ciclo da Vida

Poster do filme O Ciclo da Vida

Se há uma coisa que é mesma nos países desenvolvidos, subdesenvolvidos e os chamados “emergentes”, é o modo como tratam as pessoas idosas. Na melhor das hipóteses, os idosos são tratados como crianças grandes, porém, infelizmente, na maior parte das vezes, são tidos como trastes ou algo inútil, a quem a sociedade não sabe o que fazer visto que, do seu ponto de vista, perderam sua capacidade de trabalho e produção (um pensamento bem comum nesta era de neoliberalismo, austeridade financeira, ajuste fiscal e desemprego), enquanto as famílias não querem ter o trabalho de cuidar de alguém que pode prendê-los em casa e tomam a decisão mais conveniente para esse problema: enviá-los para um asilo ou casa de repouso.
O cinema da China, que mostrou ao ocidente grandes filmes tais como Lanternas Vermelhas (1991), Adeus, Minha Comcubina (1993), Nenhum a Menos (1999) e O Tigre e o Dragão (2000, que, sob a direção de Ang Lee, transformou um filme de Kung-Fu, tido como um subgênero do cinema, em uma obra de arte), vem com um filme que trata justamente do tema da Melhor Idade e que é uma joia cinematográfica do Império do Centro: O Ciclo da Vida (Fei yue lao ren yuan), dirigido por Zhang Yang (Flores do Amanhã), de 2012, vencedor do prêmio Menção Especial do Festival Internacional de Cinema de Tóquio e que, somente neste ano, chega aos cinemas do Brasil.
O filme conta a história de Ge (o ator Xu Huanshan), chamado pelas pessoas – inclusive seus amigos e familiares - de Velho Ge, um motorista de ônibus aposentado. Após a morte de sua segunda esposa, deixa a casa onde viveu com ela por 20 anos, mas recebe uma herança em dinheiro e decide dá-la de presente ao seu neto (Chen Kun), que casa-se nesse mesmo dia. Porém, o seu filho (Han Tongsheng) o proíbe de presentear o neto devido a uma rusga do passado.
Sem ter para onde ir, Velho Ge dirige-se a uma casa de repouso onde vive seu amigo e antigo colega de profissão, Velho Zhou (Wu Tian-Ming). A vida na casa de repouso é monótona e vazia. Velho Zhou conta a Velho Ge que ele e os outros moradores da casa estão ensaiando um número para apresentarem em um programa de TV. A enfermeira-chefe (Yan Bingyan) e as famílias dos idosos se opõem a isso, pois acham que eles não têm condições para realizar uma apresentação. Porém, apesar dessa oposição, de sua idade avançada e dos problemas de saúde, os idosos estão dispostos a realizar esse número e viajam pela China para participar do programa.
Para o público brasileiro, é curioso que os idosos no filme sejam chamados de “velho”, pois aqui, para muitas pessoas, se chamarmos nossos idosos assim, podem sentir-se rebaixados e até humilhados. Porém, pelo que o filme demonstra, eles tem perfeita consciência de seu estado, de modo que não se sentem magoados ou ofendidos ao serem chamados dessa maneira.
O roteiro de Zhang Yang, Huo Xin e Chong Zhang é baseado em uma história original do também diretor e roteirista Liu Fendou (Chapéu Verde) e mostra, com muita sensibilidade, a triste realidade de pessoas da Melhor Idade que vivem em asilos e/ou casas de repouso. Mas, apesar dessa vida melancólica, ainda há espaço para a solidariedade, o amor fraternal e o humor, mostrados de forma muito equilibrada e poética.
Com a direção firme de Yang somada à performance excepcional dos veteranos atores, é impossível não se encantar, comover e rir em cenas que vão desde o choro de Velho Ge até a dança dos idosos ao som da música Y.M.C.A., da banda Disco Village People, cujos versos iniciais dizem: “Young man, there’s no need to feel down / I said, young man, pick yourself off the ground” (“Jovem, não há necessidade de sentir-se por baixo / Eu disse, jovem, levante-se do chão”, em tradução livre). E não há como não dizer “ahh...” quando a enfermeira-chefe desliga o rádio...
O que parecia ser um filme que se passa entre as paredes da casa de repouso, transforma-se em um Road Movie. Dito assim, pode surpreender e até chocar, mesmo porque, quando fala-se neste tipo de filme, logo vem à mente filmes da franquia Velozes & Furiosos, com seus carros modernos e potentes e jovens dirigindo e pisando fundo no acelerador.
Porém, a história do cinema demonstra que Melhor Idade e pé na estrada são algo que combinam muito bem e podem ser visto em filmes como Harry, o Amigo de Tonto (1974), estrelado pelo maravilhoso Art Carney, vencedor do Oscar de Melhor Ator por este trabalho; o filme francês Mamute (2010), com Gérard Depardieu; e o pouco visto, mas excelente, Nebraska (2013), que deu a Bruce Dern o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes. Portanto, não venham com essa que velhinhos não podem viajar na rodovia!
Ao invés de um carrão, nossos heróis viajam em um velho ônibus enferrujado. E, durante a viagem, encontram desde valentões – que não hesitam em encarar – até uma tribo mongol e também uma manada de cavalos correndo livremente pelas belas paisagens do interior da China. Aqui, destaca-se a excepcional fotografia de Tao Yang. E não poderíamos deixar de falar da delicada e ótima trilha sonora de Bao San, que consegue mostrar todas as emoções do filme, do choro ao riso.
Obviamente que não contarei o final para não estragar a surpresa (entretanto, adianto que é de levar lágrimas aos olhos), mas, tal como no documentário norueguês As Otimistas, O Ciclo da Vida prova que nunca é tarde para perseguir os seus sonhos, independente de sua idade.

É de se lamentar que um filme tão excelente, encantador, comovente, lindo, uma verdadeira pérola, tenha demorado tanto tempo para ser exibido aqui, mas a espera valeu a pena!

Veja o trailer oficial de O Ciclo da Vida (legendado em português);


sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Panorama no Cinema: Samba

Cartaz do filme Samba

Os diretores Eric Toledano e Olivier Nakache e o ator Omar Sy, retomam a parceria que os fez serem bem sucedidos no filme Intocáveis, de 2011, que foi o filme de maior bilheteria na França nesse ano e deu a Omar Sy o prêmio César (versão francesa do Oscar) de melhor ator, sendo o primeiro negro a conquistar esse prêmio. O filme tinha como premissa básica o relacionamento de um pobre imigrante africano negro e atlético e um milionário francês branco e tetraplégico no estilo “os opostos se atraem”. Samba – que, na pronúncia francesa, fica “Sambá” - também usa essa lei da Física em sua história.
Baseado no livro “Samba pour la France”, de Delphine Coulin, o filme conta a história do imigrante de Senegal (no livro, ele é de Mali) Samba Cissé (Omar Sy), que vive há 10 anos na França na casa de seu tio e ganha a vida em um restaurante, lavando pratos, mas, devido a problemas com a imigração, é preso. Uma ONG especializada em ajudar imigrantes em situação irregular assume seu caso e envia duas mulheres para cuidar de Samba: Manu (interpretada pela cantora de Rock Izïa Higelin) e Alice (Charlotte Gainsbourg, de Ninfomaníaca), uma executiva que sofreu um “burnout” devido ao ritmo excessivo de trabalho que a levou a um colapso.
O “burnout” é também chamado de “síndrome do esgotamento profissional”. Segundo o Dr. Drauzio Varella, a principal característica dessa síndrome é o estado de tensão emocional e estresse crônicos provocado por condições de trabalho físicas, emocionais e psicológicas desgastantes. A síndrome manifesta-se especialmente em pessoas cuja profissão exige envolvimento interpessoal direto e intenso.
Licenciada do serviço, Alice trabalha na ONG como parte de seu tratamento e recuperação. Manu aconselha Alice a ter um relacionamento distante de Samba, mas, pouco a pouco eles, cujas vidas têm poucas perspectivas, aproximam-se e relacionam-se.
A diferença entre Intocáveis e Samba começa na forma como o tema de cada filme é tratado: no primeiro, o tema da deficiência física, embora considerado “pesado”, é tratado de forma descontraída, sem grande drama e sem ser piegas, com humor, que faz com que a atenção do grande público seja atraída e se sinta próximo dos personagens.
Já em Samba, o tema dos imigrantes irregulares é tratado de forma mais séria, embora sem abdicar do humor, que é visto em várias cenas e também o aproxima do público. A vida desses imigrantes, com suas constantes preocupações em arrumar emprego, enviar dinheiro para suas famílias, regularizarem sua situação na França para não serem deportados e terem que voltar a uma situação de extrema miséria e/ou de guerra civil, é vista igualmente sem apelar para o dramalhão e a pieguice, de forma sóbria, mas sem ser tediosa. 
O ponto forte da dupla Toledano-Nakache é a direção de atores. Omar Sy mostra que não foi à toa que conquistou o César. Sua atuação é, ao mesmo tempo, discreta, emotiva e moderna, o que faz com que seja um dos melhores atores franceses da atualidade, a ponto de Hollywood abrir-lhe as portas, como já pôde ser visto em produções com em X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido e Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros.
Charlotte Gainsbourg está no mesmo nível de Sy. Também vencedora do César e do prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes por Anticristo (2009), sua atuação é esplendorosa. É simplesmente impressionante como ela consegue fazer com que Alice, durante suas crises emocionais, passe de um estado tímido e inseguro para um raivoso e agressivo em questão de segundos. Hoje em dia, poucas atrizes conseguem atuar assim com tamanha competência.
São também dignas de nota as atuações de Izïa Higelin e Tahar Rahim. Vencedora do César de Atriz Mais Promissora, em 2012, Izïa é mesmo uma grata revelação (Samba é seu segundo filme). Já o simpático Rahim, que faz o “brasileiro” Wilson, tem algumas das melhores tiradas de humor do filme e, algumas vezes, chega a roubar as cenas dos protagonistas principais.
Pegando um “gancho” do parágrafo anterior, não poderia deixar de falar das menções honrosas ao Brasil: além do já citado “brasileiro” Wilson, também há canções de Gilberto Gil e Jorge Benjor e Rahim e Gainsbourg surpreendem falando português de forma correta – embora com sotaque.
A escolha do elenco não foi por acaso, pois vários atores e atrizes do filme têm ligações com imigrantes. O pai de Omar Sy é do Senegal e a mãe da Mauritânia. Charlotte Gainsbourg é de ascendência anglo-francesa: seu pai é o prestigioso cantor francês Serge Gainsbourg e a mãe é a atriz inglesa Jane Birkin. Os pais de Tahar Rahim são da Argélia. Já o ator Isaka Sawadogo, que faz o papel de Jonas, e a atriz Liya Kebede, que faz o papel de Gracieuse, são mesmo imigrantes vindos, respectivamente, de Burkina Faso (antiga República do Alto Volta) e Etiópia. Um filme sobre imigrantes feitos pelos próprios e por seus descendentes.
O filme mostra que países europeus como a França ainda tem uma relação mal resolvida com suas antigas colônias na África, Ásia e América. Isso se reflete no tratamento dado aos imigrantes: vistos com desconfiança (a velha história que “um estrangeiro é sempre suspeito”), tendo que submeterem-se a sub-empregos – muitos deles perigosos e insalubres – e concentrando-se em guetos ou nos campos de detenção. A xenofobia (ódio aos estrangeiros) é um problema que tem ocorrido na Europa nestes últimos anos com a ascensão de partidos conservadores e reacionários como, por exemplo, a Frente Nacional, do infame político francês de extrema-direita Jean-Marie Le Pen e de sua filha e herdeira, a igualmente infame Marine.

 Samba pode não ter o mesmo impacto e sucesso que Intocáveis, mas é daqueles filmes que melhoram com o passar dos anos. Em uma época na qual a Europa – e, em particular, a França – sofre com a crise financeira que teima em não terminar, com medidas de austeridade que aumentam o desemprego e cortam benefícios sociais e trabalhistas, políticas neoliberais que exigem que as pessoas trabalhem o máximo ganhando o mínimo e acabam por gerar muitos casos de “burnouts”, com a União Europeia querendo restringir a sua política de imigração tanto para imigrantes legais como ilegais e o aumento da xenofobia, o filme é, simultaneamente, um registro de seu tempo e também um alerta. 

Veja o trailer oficial de Samba (legendado em português):

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Panorama no Cinema: Sentimentos Que Curam

Cartaz do filme

De algum tempo para cá, doenças emocionais em nossa sociedade vem aumentando cada vez mais, principalmente devido à vida estressante dos dias de hoje. Até alguns anos trás, esses tipos de doenças eram vistas como fraquezas, defeitos de caráter e até “frescuras”. Porém, após o suicídio do ator Robin Williams (vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por Gênio Indomável, em 1997) devido à depressão, em 2014, doenças emocionais passaram a serem vistas não só como enfermidades, mas também como algo que pode matar.
Uma das doenças emocionais mais conhecidas é o transtorno bipolar, também chamado de maníaco-depressivo. Segundo o Dr. Drauzio Varella, o transtorno bipolar é um distúrbio psiquiátrico complexo. Sua característica mais marcante é a alternância, às vezes repentina, de episódios de depressão com os de euforia. As crises podem variar de intensidade (leve, moderada e grave), frequência e duração. As flutuações de humor têm reflexos negativos sobre o comportamento e atitudes dos pacientes, e a reação que provocam é sempre desproporcional aos fatos que serviram de gatilho ou, até mesmo, independem deles. Ainda não há cura para essa doença, mas, assim como a diabetes, pode ser controlada. Com medicação e tratamento adequado (psicoterapia, alimentação, exercícios, etc.), a pessoa que sofre desse transtorno pode levar uma vida praticamente normal.
Hollywood tem tradição em filmes que tratam sobre doenças emocionais e/ou mentais. Podemos citar como exemplo Um Estranho no Ninho (1975, vencedor de cinco Oscars, inclusive melhor filme) e Rain Man (1988, vencedor de quatro Oscars, também incluindo o de melhor filme). Sentimentos Que Curam segue essa tradição hollywoodiana.
O filme conta a história da família Stuart, que se passa entre os finais das décadas de 1960 e 1970, na cidade de Boston (EUA). Cameron, chamado por todos de “Cam”, (Mark Ruffalo, da franquia Os Vingadores) foi diagnosticado com transtorno bipolar, mas isso não o impediu de casar-se com Maggie (Zoe Saldana, da franquia Star Trek) e de terem duas filhas: Amelia (a estreante Imogene Wolodarsky) e a caçula Faith (a também estreante Ashley Aufderheide). Porém, à medida que o tempo passa, a doença de Cam piora, sua família o abandona e ele acaba por ter um colapso que o leva para uma internação em uma instituição psiquiátrica.
Maggie e as crianças o visitam frequentemente, mas a situação financeira da família não está boa. Após receber alta, Cam tenta reconciliar-se com sua esposa e filhas. Um dia, Maggie propõe a Cam tomar conta das crianças enquanto ela vai à Nova York fazer um Mestrado, arranjar um trabalho melhor e resolver os problemas financeiros da família. Cam concorda, pois vê essa proposta como algo que não só pode ajudá-lo em sua recuperação como também uma chance para a reconciliação familiar que tanto deseja.
Sentimentos Que Curam marca a estreia na direção da roteirista Maya Forbes (Monstros vs Alienígenas), que também fez o roteiro do filme baseado em sua experiência pessoal (seu pai também sofre de transtorno bipolar). Forbes mostra uma direção segura - embora por vezes acadêmica – tanto nas cenas dramáticas quanto humorísticas. Forbes decidiu dar um tratamento mais “light” para falar de um tema tão “pesado”. Ao invés de um dramalhão no estilo “vejam-como-eu-sofri-com-a-minha-doença”, ela optou pelo humor seguindo a linha do filme francês Intocáveis (2011, que conta a história de um tetraplégico). Acabou por ser uma boa escolha, pois atenua um tema tenso e faz o público aproximar-se mais do filme.
A reprodução de época, tanto em vestuários como em costumes, é precisa. A década de 1970 foi uma época de “pisada no freio” após a loucura da década de 1960 com o seu sex, drugs & rock and roll, mas continuou o caminho de liberalização de costumes como mostra o próprio casamento de Cam e Maggie, inter-racial e com filhas mestiças, algo ainda raro naquele tempo. O fato de um homem ser “dono-de-casa” e cuidar para que as crianças vão à escola, comam bem e façam amigos era também algo difícil de ser visto e tido como admirável – principalmente pelas mulheres - como bem mostra uma cena do filme.
O ponto forte do filme é o seu elenco. Mark Ruffalo sabe o que é padecer de uma doença, pois tinha um tumor cerebral, que foi retirado em 2002. Embora o tumor tenha revelado-se benigno, ficou algum tempo com o lado esquerdo do rosto paralisado. O episódio o fez refletir muito sobre a vida e a morte e essa experiência particular faz com que tenha uma atuação espetacular. O espectador ri muito com as “pirações” de Cam, se comove com seu amor por Maggie e as crianças, mas também fica bastante impressionado ao vê-lo “surtar”. E isso sem apelar para clichês ou demagogia, apenas usando seu grande talento.
Gostaria de fazer um parêntese para dizer que Mark Ruffalo é um cara legal. Além de ator vencedor do prêmio Emmy (o Oscar da TV) e duas vezes indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante (em 2011 e 2015), ele é um ativista dedicado às causas nobres: posicionou-se contra a administração de George W. Bush, apoia a causa palestina, defende movimentos ecológicos e, nas eleições presidenciais brasileiras de 2014, apoiou a candidata Marina Silva. Mas, quando esta voltou atrás na sua posição inicial de defesa do casamento gay e dos direitos reprodutivos da mulher pressionada por lideranças evangélicas como o “pastor” Silas Malafaia, retirou o apoio. E o fez de uma forma elegante.
Zoe Saldana corria o risco de ser a chata do filme, que só ficaria implicando com Cam. Porém, surpreendendo a todos, principalmente aqueles que a vem somente como uma mulher de rostinho bonito e corpo “sarado”, ela sai pela tangente e tem uma atuação forte e sensível como a mãe que tem que segurar todas as barras em prol de sua família. Mas, assim como Ruffalo, ela não usa de clichês ou demagogia e prova que é uma atriz que ainda tem muitas coisas boas para mostrar.
Entretanto, os pais não seriam os pais sem suas filhas. Imogene Wolodarsky e Ashley Aufderheide dão um show à parte. Nem parece que elas estão fazendo um filme pela primeira vez tamanha a naturalidade com que atuam. Imogene é filha de Maya Forbes e, segundo a mãe, o parentesco entre elas facilitou o trabalho: “Eu podia fazê-la chorar sem me preocupar em causar danos a ela”. E, tampouco teve dificuldades com Ashley, que teve a melhor tirada do filme ao dizer que o pai é “infinitamente urso polar” (traduzido de “infinity polar bear”, nome do filme em inglês) ao invés de “infinitamente bipolar”.
O ponto fraco do filme é a presença dos pais de Cam, vividos por Keir Dullea (2001, Uma Odisséia no Espaço) e Beth Dixon (da mini-série de televisão A Tempestade do Século), que não tem muito o que fazer na trama e nem precisavam aparecer.
Uma coisa que não pode deixar de ser dita: o título brasileiro do filme é simplesmente horroroso. É um hábito no Brasil dar aos filmes estrangeiros títulos que não tem nada a ver. Como já vimos, o título original é totalmente diferente e, como também já vimos, o transtorno bipolar é incurável, de modo que, neste caso, não há sentimentos que possam curar esse mal. Já em Portugal, o título é Amor Polar! Também deixa muito a desejar, mas, pelo menos está mais próximo do original. Quem sabe, um dia, tanto brasileiros quanto portugueses acertem...
Sentimentos Que Curam foi lançado no Festival de Sundance, em 2014 (o lançamento em circuito comercial é neste ano), recebeu boas críticas e foi indicado ao Prêmio Especial do Júri. Assim como o filme Samba, este é daqueles filmes que, se agora já são bons, com o passar do tempo vão melhorar. E quem for às salas de exibição não vai se arrepender de assistir, pois vai se divertir e perceber que um doente emocional não é um fraco, um “fresco” ou alguém cheio de defeitos de caráter, é apenas um ser humano como todos nós. E quem garante que os ditos “normais” não são mais doentes que ele?

Veja o trailer oficial de Sentimentos Que Curam (legendado em português):

terça-feira, 4 de agosto de 2015

A luta das mulheres no cinema contra o preconceito e a violência

Cena do filme Mustang

Em 1972, o ex-Beatle John Lennon juntamente com sua esposa, a artista plástica Yoko Ono, lançaram uma canção intitulada “Woman is the Nigger of the World” (“Mulher é o Negro do Mundo”) cujos versos iniciais dizem:
“Woman is the nigger of the world / Yes, she is…think about it / Woman is the nigger of the world / Think about it…do something about it”;
“We make her paint her face and dance / If she won’t be a slave, we say that she don’t love us / If she’s real, we say she’s trying to be a man / While putting her down, we pretend that she’s above us”;
(“Mulher é o negro do mundo / Sim, ela é… Pense sobre isso / Mulher é o negro do mundo / Pense sobre isso… Faça alguma coisa sobre isso”;
“Nós a fazemos pintar a sua face e dançar / Se ela não for uma escrava, nós dizemos que ela não nos ama / Se ela é verdadeira, nós dizemos que ela está tentando ser um homem / Enquanto nós a colocamos para baixo, fingimos que ela está em cima de nós”).
Esta canção foi considerada forte à época de seu lançamento. Mesmo no tempo presente, ela é considerada assim, mas, nestes dias em que estupros coletivos e outros tipos de violências – físicas ou morais – contra as mulheres são, infelizmente, cada vez mais comuns, ela soa mais atual do que nunca.
Dois filmes de diretores estreantes lançados recentemente, refletem e reforçam simultaneamente os versos da canção. O primeiro é o filme turco Mustang (idem, 2015), da diretora Deniz Gamze Ergüven. O filme conta a história de cinco adolescentes órfãs que vivem em uma pequena aldeia no interior da Turquia cuja sociedade é retrógrada e de moral ultra-conservadora. No último dia de aula na escola, elas juntam-se a um grupo de rapazes para brincarem, inocentemente, na praia. Uma vizinha testemunha a brincadeira e, escandalizada, afirma que elas se comportaram como prostitutas. O tio das meninas obriga-as a irem ao hospital para fazer um teste de virgindade e fecha-as em casa durante todo o verão. As atividades domésticas substituem a ida à escola e começam-se a arranjar casamentos. As meninas, animadas pelo desejo de liberdade, procuram por todos os meios contornar as regras que lhes são impostas. O nome do filme, além de referir-se a uma raça de cavalos selvagens, é uma metáfora da adolescência: ardente, poderosa e sensual.
A jovem – e bonita – cineasta diz ter sentido a necessidade de explicar “o que é ser mulher nos dias de hoje na Turquia, uma questão que está a ser muito debatida e que é muito polemica neste momento na sociedade turca, onde as mulheres e as adolescentes pouco podem se exprimir”. E acrescenta:
“Eu quis fazer destas meninas umas heroínas, figuras de coragem, de inteligência, de perseverança e de uma série de valores que raramente as mulheres têm no cinema. Elas fazem-me lembrar um pouco James Dean, há algo de contestatário, mas bonito, com toda a beleza, a frescura, a juventude. E mesmo que isso possa ser considerado um ponto de vista crítico, é uma crítica importante e que gera algo positivo”.
O filme foi exibido no último Festival de Cannes e ganhou o prêmio “Label Europa Cinemas” da seção “Quinzena dos Diretores”.
A indústria cinematográfica na Etiópia é paupérrima, tendo lançado somente quatro filmes até hoje. Seu filme mais recente chama-se Difret (idem, 2014), dirigido por Zeresenay Mehari, que também é o autor do roteiro baseado em uma história real. O filme conta a história ocorrida há 20 anos atrás da jovem Hirut. Com apenas 14 anos, Hirut é uma excelente estudante cuja morada fica a três horas da capital etíope, Addis-Abeba. Um dia, quando retornava da escola, Hirut é raptada por homens a cavalo para casar-se com um deles. O rapto pré-nupcial é um costume muito antigo que sobrevive na Etiópia em pleno século XXI. Porém, Hirut não quer tornar-se uma esposa tão nova, recusa-se a casar e é violentada. Ela escapa do cativeiro e mata seu raptor. Ao ser acusada de assassinato, uma advogada de Addis-Abeba decide ajudá-la. É o confronto entre dois mundos: o moderno e o arcaico.
O filme tem produção executiva de Angelina Jolie e recebeu, em 2014, o prêmio do público dos festivais de Berlim, Sundance e do Cinema Mundial de Amsterdam. Na língua amárica, a língua oficial da Etiópia, “difret“ significa “coragem”.
Difret foi lançado em circuito comercial na Alemanha em 12 de março último e Mustangfoi lançado na França em 15 de junho (e, se não houver censura por parte do governo local, estréia na Turquia em outubro, em dia ainda a ser definido). Ainda não há previsão para lançamento de ambos os filmes em circuito comercial no Brasil.
Aproveito a oportunidade para dedicar este modesto texto a todas as mulheres do mundo.

Veja o trailer do filme Mustang (legendas em francês):

Veja o trailer do filme Difret (legendas em espanhol):

terça-feira, 14 de julho de 2015

Costa-Gavras: “Não sei se Alexis Tsipras seria herói de um de meus filmes”

Costa-Gavras e Alexis Tsipras
Ele é considerado como uma espécie de “último dos moicanos” do cinema de denúncias. Conhecido por filmes como Z (1968, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro), Estado de Sítio (1972), DesaparecidoUm Grande Mistério (1982, vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes) e o polêmico Amen (2002), todos de alto teor político e social, o cineasta grego naturalizado francês Konstantinos Gavras, mais conhecido como Costa-Gavras, nunca teve papas na língua e sempre botou a boca no trombone sobre aquilo que julga serem as injustiças do mundo, seja a sangrenta ditadura militar do general chileno Augusto Pinochet, a corrupção no interior da Igreja Católica ou o desemprego internacional.
Tido como um ícone do cinema político e vivendo há muitos anos em Paris, Costa-Gavras, entretanto, nunca deixou de acompanhar a situação interna de sua Grécia natal, especialmente agora na terrível crise social e econômico-financeira pela qual o país passa devido ao duríssimo programa de austeridade imposto pela chamada “Troika” (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI) e denuncia repetidamente o que define como “a humilhação do povo grego”. Um drama que bem poderia ter saído de um roteiro de um de seus filmes.
Em recente entrevista à repórter Isabelle Kumar durante o programa Global Conversation, do canal de notícias europeu Euronews, em resposta à pergunta que, em seus filmes, “há muitas vezes um herói solitário, que enfrenta o poder. Alexis Tsipras (atual Primeiro-Ministro grego, do partido de esquerda Syriza) podia ser o seu novo herói?”. Costa-Gavras respondeu:
“Na política sim. Para um filme, não sei, mais tarde veremos. Mas sim, acho que ele é uma figura excepcional atendendo aos padrões gregos. É um homem que emergiu da classe média e que tem subido muito rapidamente. Os gregos confiam nele, tem uma grande confiança por detrás dele. As pessoas interpretam-no mal e à sua forma de pensar”.
Mais adiante, ao ser perguntado que papéis daria, em um dos seus filmes, a Tsipras, Yanis Varoufakis (ex-ministro da economia do governo grego que, recentemente, renunciou ao cargo), Angela Merkel (Primeira-Ministra da Alemanha), Mario Draghi (Primeiro-Ministro da Itália) e o presidente do Banco Central Europeu, com muito bom humor, Costa-Gavras respondeu que daria o papel que eles têm na política, mas com uma vertente cômica.
Veja aqui a entrevista completa (traduzida em português europeu):

quarta-feira, 20 de maio de 2015

O Fascinante Leonard Nimoy

Leonard Nimoy como Spock

A nave estelar Enterprise perdeu no ano de 2015 três de seus tripulantes: o produtor Harve Bennett (que produziu vários filmes da franquia de Jornada nas Estrelas); a atriz Grace Lee Whitney (que interpretava Janice Rand, a ordenança do Capitão Kirk); e, principalmente, um de seus mais ilustres membros: Leonard Nimoy, mais conhecido como o Sr. Spock. Nas próximas linhas conheceremos um pouco mais sobre o intérprete do extraterrestre mais lógico do universo.
Leonard Simon Nimoy nasceu em 26 de março de 1931 na cidade de Boston, nos EUA, filho de imigrantes judeus ucranianos, durante o duro período da Depressão Econômica que assolava o mundo. Começou a atuar com oito anos de idade em peças infantis no teatro de seu bairro. Seus pais, pessoas muito práticas, não aprovavam essa escolha de seu filho (um futuro paralelo com Spock), mas seu avô o incentivou a continuar. O jovem Leonard arrumou um emprego de vendedor de aspiradores de pó, que lhe permitiu economizar 600 dólares para pagar o curso de teatro no Boston College. Lá, tornou-se um devoto seguidor do método Stanislavsky de interpretação que, segundo ele, permitiu-lhe explorar os “territórios psicológico, emocional e físico, que não poderia ser feito em nenhum outro lugar”. Tomou o ator Marlon Brando como modelo e, como ele, começou a usar jeans e camisetas. Arrumou um outro emprego, desta vez em uma sorveteria, para ajudar a pagar os estudos.
Fez sua estreia no cinema em 1951, em filmes menores. Em 1952, teve sua primeira chance como protagonista no filme Kid Monk Baroni, no qual interpreta um jovem marginal de rua que torna-se um campeão de boxe. Esse filme deu-lhe a fama de ator dramático e intenso, mas, ainda assim, só conseguia papéis em filmes B como, por exemplo, Zombies of The Stratosphere, no qual interpretava um marciano que queria conquistar a Terra. O destino já começava a agir...
Em 1953, foi servir o exército, onde ficou por um ano e meio. Nesse período, conheceu o também ator Fess Parker (que, futuramente, seria o astro da série Daniel Boone) e organizava, dirigia e estrelava espetáculos para entreter os soldados. Dentre esses espetáculos, destacou-se a peça, Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams. Deixou o serviço militar com a patente de sargento.
Ao retornar ao cinema, fez mais alguns trabalhos em filmes B, até que apareceram oportunidades na crescente indústria da televisão. Nimoy agarrou essas oportunidades com unhas e dentes – afinal, tinha mulher e filhos para sustentar – e começou a aparecer em vários seriados (alguns bem conhecidos dos brasileiros) tais como Dragnet, Bonanza, Gunsmoke, Além da Imaginação, Rawhide (onde conheceu e trabalhou com Clint Eastwood), Os Intocáveis, Perry Mason, Combate, Agente 86 e Daniel Boone. De todos os seriados em que atuou, três se mostraram marcantes em sua carreira: O Homem de Virgínia, no qual trabalhou com DeForest Kelley, o futuro Dr. McCoy (curiosamente interpretou também o papel de um médico); O Agente da U.N.C.L.E., onde trabalhou com William Shatner, o futuro Capitão Kirk; e The Liutenant, um seriado de pouca duração criado por um produtor chamado Gene Roddenberry. A atuação de Nimoy chamou a atenção de Roddenberry, que o convidou para participar do episódio-piloto de um seriado de ficção-científica que tinha acabado de criar para a NBC (uma das chamadas “três grandes” emissoras dos EUA) e que se chamava Jornada nas Estrelas. Leonard aceitou o convite e, ao fazer isso, sua vida mudou para sempre.
Roddenberry disse a Nimoy que o personagem que faria ainda não estava completamente elaborado, mas Spock que não deveria deixar dúvida a sua condição de extraterrestre. Seria, portanto, distinguido dos demais por uma cor diferente (provavelmente o vermelho), um corte de cabelo diferente e orelhas pontudas. Ele também seria diferente em termos de temperamento. Spock era meio-humano, meio-alienígena, e havia sido criado num mundo onde a demonstração de emoção era de mau gosto e firmemente reprimida. Esse lado racional e “reprimido” ocultaria, é claro, seu lado humano e emocional.
A cor vermelha foi deixada de lado (ao invés disso, foi usado um leve tom esverdeado que apareceria melhor nas telas de televisão pois, na época, nem todas as TVs eram coloridas), mas o corte de cabelo e as orelhas pontudas foram mantidas.  O episódio-piloto chamava-se The Cage (A Jaula) e a nave Enterprise era comandada pelo Capitão Christopher Pike (interpretado pelo galã Jeffrey Hunter, de Rei dos Reis). Spock já era oficial de ciências, mas não o primeiro-oficial, cargo que coube à Número Um (interpretada por Majel Barrett, futura esposa de Roddenbery). Neste episódio, a personalidade de Spock ainda está muito “humana” – com direito inclusive a sorrisos! – bem diferente do que se veria mais tarde.
O episódio foi rejeitado pela direção da NBC por ser considerado “muito cerebral”, mas, em algo raro na televisão, Roddenberry teve uma segunda chance. Todo o elenco foi trocado, com exceção de Nimoy e Barrett (que faria o papel da enfermeira Christine Chapell) e, para o segundo episódio piloto, chamado Where No Man Has Gone Before (Onde Nenhum Homem Jamais Esteve), foram contratados James Doohan (no papel do Sr. Scott), George Takei (Sr. Sulu) e, especialmente, William Shatner. Mais tarde, viriam DeForest Kelley, Nichelle Nichols (Tenente Uhura) e Walter Koenig (Sr. Chekov).
O seriado fez sua estreia em 1966, com críticas variadas, audiência baixa, mas uma legião fiel de fãs, que incluía os ilustres cientistas e escritores Isaac Asimov e Arthur C. Clarke. Durante o seriado, Nimoy pôde desenvolver a personalidade vulcana lógica, racional e sem emoções de Spock – sempre em conflito com seu lado humano - tal como Roddenberry havia imaginado e, ainda, a aperfeiçoou com as famosas frases “Isso é lógico/ ilógico”, “Fascinante”, “Vida longa e próspera”, com a musical “lira vulcana”, o “toque vulcano” (aplicado no pescoço dos inimigos para nocauteá-los) e, especialmente, com a famosa “saudação vulcana”. Segundo sua segunda autobiografia, Eu Sou Spock (falaremos da primeira mais adiante), Nimoy conta que criou a saudação “pegando emprestado” de um ritual judaico ortodoxo executado nas sinagogas:
“Durante o culto da Páscoa, os Konahim (que são os sacerdotes) costumam abençoar os fiéis. Eles erguem as mãos mostrando as palmas para a congregação, com os polegares esticados e os dedos médio e anular separados de maneira que cada mão forme dois ‘V’. Esse gesto simboliza a letra hebraica shin, a primeira da palavra Shaddai, que significa ‘Senhor’; na cabala judaica, shin também representa o Espírito Santo.
O ritual me impressionou muito quando eu era menino (...). O momento em que os Konahim abençoavam a congregação mexia comigo profundamente, por causa do seu poder de magia e teatralidade”.[1]
Com todas essas “vulcanices”, Spock não só tornava-se popular entre os fãs, como também valeu a Nimoy três indicações seguidas ao prêmio Emmy (o “Oscar” da TV estadunidense) de melhor ator coadjuvante. Nessa época comentava-se muito sobre uma rivalidade e ciúmes de Shatner em relação Nimoy. Nimoy sempre negou isso, embora admitisse a rivalidade, mas, como o próprio definia, “uma rivalidade saudável de irmãos que competem entre si”. Nimoy sempre recordou com carinho e bom humor a amizade com o elenco de Jornada, em especial com Shatner e DeForest Kelley:
“De Kelley é um típico cavalheiro do Sul [dos EUA], uma alma tranquila e gentil (...). É um homem doce e modesto e está casado com sua adorável esposa, Carolyn, há mais de 40 anos.[2]
Acho que é hora de o mundo inteiro saber o que de verdade acontecia no estúdio de Star Trek: Bill Shatner é um dos mais infames piadistas do mundo, adora um trocadilho, e logo deu início a sua ‘missão de cinco anos’ de tentar me enlouquecer”.[3]
Para quem ainda tem dúvidas sobre a amizade entre o capitão da Enterprise e seu primeiro-oficial alienígena, eis uma história ainda não muito conhecida: apesar do sucesso pessoal, Nimoy estava nessa época sofrendo de problemas com álcool e drogas e Shatner ajudou-o a recuperar-se. Anos depois, Nimoy retribuiu o favor ao ajudar a esposa do amigo a recuperar-se dos mesmos problemas.[4]
Apesar da devoção dos fãs, Jornada nas Estrelas foi cancelada em 1969. Entretanto, Nimoy não ficou desempregado muito tempo. Nesse mesmo ano foi escalado para trabalhar em uma série de grande sucesso, Missão Impossível, na qual fazia o papel de Paris, um mestre dos disfarces. As lembranças de Nimoy dessa época, porém, são ambíguas: dizia que, no início, trabalhar em Missão Impossível “era excitante, mas acabou ficando chato” por achar o papel muito repetitivo.
Em 1971, Nimoy decidiu sair do seriado – o que muitos consideraram uma loucura devido à grande audiência do programa – mas Leonard procurava outros desafios. Foi nesse período que iniciou duas paixões: a poesia e, principalmente, a fotografia.
Continuou trabalhando em filmes para o cinema e a TV (que incluía o seriado Galeria do Terror, no qual teve sua primeira experiência como diretor) ao mesmo tempo em que começou uma intensa atividade teatral, com atuações elogiadas em várias peças dentre as quais destacam-se Um Violinista no Telhado, Calígula (do escritor e filósofo existencialista francês Albert Camus, na qual interpreta o personagem-título, um louco que quer ser lógico...), a polêmica The Man in the Glass Booth (que trata do tema do holocauto judeu), Um Estranho no Ninho e Equus.  
Nesse mesmo período, aconteceu algo com o qual Nimoy não esperava: as estações de TV locais começaram a reprisar Jornada nas Estrelas, que teve índices de audiência nunca sonhados na década de 1960. Devido a esse renascimento do seriado, em 1973, Nimoy foi chamado pela Filmation, estúdio de desenhos animados feitos para a televisão, para dublar Spock em Jornada nas Estrelas – A Série Animada. Jornada nas Estrelas acabou tornado-se um fenômeno cultural e sociológico.
Assim como muitas pessoas, Nimoy não sabia exatamente o porquê desse fenômeno, mas especulava:
“Primeiro, Star Trek oferecia esperança para uma geração que crescera assustada com o fantasma da guerra nuclear. (...) Ao mesmo tempo, nossa paranoia em relação à União Soviética estava em seu clímax (...).
E em meio a toda essa paranoia e terror havia uma mensagem clara de esperança na forma de Star Trek, uma mensagem que parecia dizer: ‘Sim, vamos sobreviver à era atômica. Vamos fazer contato com vidas inteligentes em outros planetas e eles serão nossos amigos, não nossos inimigos. Juntos, vamos trabalhar pelo bem comum’.
(...) Os anos 70 foram tempos de grande rebeldia cultural, como também foram o período da Guerra do Vietnã e de Watergate, do abuso de drogas e da liberdade sexual. A sociedade estava vivendo uma mudança muito rápida (...). E, em meio a esses tempos de incerteza, havia a tripulação de Star Trek, totalmente confiável e incorruptível; pessoas que diziam a verdade e, acima de tudo, comportavam-se eticamente, com dignidade, compaixão e inteligência”.[5]
Em 1975, escreveu e publicou sua primeira autobiografia, Eu Não Sou Spock. O livro, em meio às suas lembranças, traz divertidos diálogos entre “criador” e “criatura” e Nimoy ainda faz um jogo de palavras:
“Eu não sou Spock.
Então por que viro a cabeça na rua quando alguém me chama por esse nome? Por que fico perturbado quando alguém pergunta: ‘O que aconteceu com suas orelhas?’
Eu não sou Spock.
Então por que sinto uma sensação maravilhosa quando ouço ou leio um elogio em relação ao vulcano?
SPOCK PARA PRESIDENTE é a inscrição de um adesivo colado no carro que vejo à minha frente. Fico inchado de orgulho e sorrio. Eu não sou Spock.
Mas se eu não sou, quem é? E se não sou Spock, então quem sou eu?”.[6]
Novamente, aconteceu algo com que Nimoy não contava: várias pessoas que leram superficialmente o livro – ou simplesmente não leram – começaram a comentar que o ator rejeitava o personagem, o que, absolutamente, não era verdade. Nimoy chegou a dizer que escrever o livro foi uma “besteira”, que só foi corrigida 20 anos depois quando publicou Eu Sou Spock.
Em 1977, Nimoy recebeu um convite dos estúdios Paramount (detentora dos direitos de Jornada nas Estrelas) para retornar ao papel de Spock na nova série que estava em produção e que se chamaria Star Trek Phase II (Jornada nas Estrelas Fase II). Nimoy, entretanto, recusou devido a problemas de imagem e propaganda com Spock. Porém, mais uma vez, o destino interviu. O filme Guerra nas Estrelas (Star Wars) foi lançado nesse mesmo ano, revolucionou os filmes de ficção-científica e foi um sucesso estrondoso. Devido a isso, a Paramount deixou a ideia da nova série de lado para investir em um filme para o cinema. Como estavam cientes que um filme de Jornada sem Spock não daria certo, trataram logo de resolver as pendências jurídicas com Nimoy, que, após tudo resolvido, disse: “Obrigado, George Lucas”.
Jornada nas Estrelas, o Filme foi lançado em 1979, com orçamento de superprodução, um porre de efeitos especiais, todo o elenco original da série e a direção de Robert Wise (de O Dia em Que a Terra Parou). Nimoy respeitava tanto o diretor que sempre o chamava de Sr. Wise. O filme agradou os fãs e fez sucesso, o que levou à inevitável sequência: Jornada nas Estrelas II – A Ira de Khan, sob a direção de Nicholas Meyer e com orçamento mais modesto. Além do esperado sucesso e críticas muito boas, nesse filme aconteceu algo chocante para os fãs: a morte do filho mais ilustre do planeta Vulcano. A choradeira foi enorme.
Essa choradeira terminaria em 1984 com Jornada nas Estrelas III – À Procura de Spock, no qual Nimoy fez sua estreia na direção de um filme para o cinema e que traz o seu personagem de volta à vida, mas os fãs ficaram novamente chocados, pois, nesse filme, a Enterprise é destruída! O filme foi bem recebido pela crítica e deu a Nimoy o cacife para dirigir mais um filme de Jornada.
Jornada nas Estrelas IV – A Volta Para Casa superou todas as expectativas. A direção segura de Nimoy, que, a partir de uma história muito original, soube mesclar com sabedoria as cenas de ação e humor juntamente com uma mensagem ecológica muito incisiva (a proteção das baleias), fez com que o filme fosse o grande sucesso de 1986 – tendo recebido quatro indicações para o Oscar - e seja, até hoje, considerado o melhor filme dirigido por Nimoy e um dos melhores da franquia.
As vibrações estavam realmente boas para Leonard. Em 1987, mais um sucesso de bilheteria: a comédia Três Solteirões e Um Bebê, no qual dirigiu os astros Tom Selleck, Steve Guttemberg e Ted Danson. 
Em 1988, dirigiu seu filme mais controverso: O Preço da Paixão, com Diane Keaton, Liam Neeson e Jason Robards. O filme tratava de questões jurídicas de sexualidade e criação de crianças, um tema difícil e polêmico. O filme dividiu a crítica e o público reagiu de forma indecisa. Embora Nimoy o considerasse um trabalho bem feito, foi um fracasso de bilheteria.
Em 1989, voltou à Enterprise em Jornada nas Estrelas V – A Fronteira Final, dirigido por William Shatner. Os fãs garantiram a bilheteria, mas a crítica não perdoou e malhou o filme impiedosamente. Como não poderia deixar de ser, Nimoy defendeu o trabalho de seu velho amigo. Ainda que o filme tivesse alguns bons momentos, é, de fato, o mais fraco de todos os filmes de Jornada para o cinema.
Ao iniciar a década de 1990, Nimoy dirigiu seus dois últimos filmes para a tela grande: As Coisas Engraçadas do Amor, com Gene Wilder, em 1990; e Holy Matrimony, com Patricia Arquette, em 1994; duas comédias que não tiveram maiores repercussões.
Em 1991, Spock e a tripulação da Enterprise retornaram em Jornada nas Estrelas VI – A Terra Desconhecida, novamente sob a direção de Nicholas Meyer. A Federação Unida dos Planetas e o Império Klingon iniciam as negociações de paz (influência do fim da então União Soviética), mas radicais tentam sabotar o processo e acusam falsamente o Capitão Kirk e o Dr. McCoy de assassinato. Como um verdadeiro Sherlock Holmes, Spock investiga toda a trama. O filme foi elogiado, considerado um final digno para os tripulantes da Enterprise e abriu o caminho para Jornada nas Estrelas – A Nova Geração.
Nos anos seguintes, Nimoy dedicou-se à fotografia e fazia aparições esporádicas em séries de TV (inclusive na Nova Geração). Em 2009, estreou o reboot da franquia, Star Trek, dirigido por J.J. Abrams. Nele Nimoy aparece como “Spock Prime” e contracena com o novo Spock, Zachary Quinto. Em 2013, volta como Spock Prime em Star Trek – Além da Escuridão, também dirigido por Abrams. Foi o seu último filme.
No início de 2014, anunciou que estava com uma doença pulmonar obstrutiva crônica, devido à muitos anos de tabagismo, embora tivesse parado de fumar há mais 20 anos e mantivesse uma alimentação saudável (era vegetariano, assim como Spock).
Em 27 de fevereiro de 2015, após uma carreira e uma vida longas e prósperas, o fascinante Leonard Nimoy, intérprete de um dos mais populares personagens do cinema e da TV, partiu para a Fronteira Final. Para aqueles que ainda estão entristecidos com essa partida, basta lembrar o que bem disse o Dr. McCoy: “Ele não estará morto enquanto lembrarmos dele”. Sendo assim, sua memória irá até onde nenhum homem jamais esteve...

A seguir, um trailler com uma cena de Jornada nas Estrelas IV – A Volta Para Casa:





[1] NIMOY, Leonard; Eu Sou Spock, São Paulo: Mercuryo (1997), p. 61.
[2] Idem. P. 39.
[3] Ibidem. P. 35.
[4] PEREIRA, Paulo Gustavo. Eu Sou Spock. In: Preview nº 67. São Paulo: Sampa (2015), p. 31.
[5] Ibidem. P. 129.
[6] Ibidem. P. 14.