Há
90 anos atrás, em 21 de janeiro de 1924, faleceu em Gorki, na então União das
Repúblicas Socialistas Soviética (URSS), Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido como Lênin, Presidente do Conselho de Comissários do Povo da União
Soviética (cargo equivalente ao de Primeiro-Ministro), líder e pai da Revolução
Russa, um dos mais importantes movimentos – para alguns o mais importante – do
século XX. Revolucionário, advogado, escritor, filósofo e polemista foram
alguns dos epítetos dados a este homem taciturno, mas dotado de uma grande energia
mental e uma vontade inquebrantável que foram dedicadas à causa da Revolução Socialista
até o fim de seus dias.
Para aqueles que não conhecem ou que não se
lembram, nos parágrafos seguintes há um breve resumo da vida de Lênin.
Lênin com 17 anos de idade
Lênin nasceu em 22 de abril de 1870 em Simbirsk,
no antigo Império Russo, filho de Ilia Nikolayevich Ulianov,
um alto funcionário do governo e Maria Alexandrovna
Ulyanova, uma professora.
Era o quarto filho entre seis irmãos, dentre estes estavam Anna e
Alexander, ambos muito engajados politicamente. Em 1887, seu irmão foi
enforcado por participar de uma conjura para matar o então Czar Alexander III.
Essa execução de seu irmão marcou o início da radicalização política do jovem
Vladimir. Nesse mesmo ano, entrou para a Universidade de Kazan para estudar
Direito. Lá teve seu primeiro contato com as obras de Karl Marx e Friedrich Engels
e foi preso pela primeira vez ao participar de uma manifestação estudantil.
Após ser libertado passou a ser vigiado constante pela polícia, afinal, era um
“irmão de um terrorista”. Em 1890, foi para a Universidade de São Petersburgo e
lá destacou-se brilhantemente em línguas clássicas (latim e grego) e modernas
(alemão, francês e inglês).
Após
terminar o curso, advogou por algum tempo. Em 1893, mudou-se para São Petersburgo
e, lá, começou a divulgar ideias revolucionárias até ser preso, em 1895, e
exilado para a Sibéria dois anos depois. Em 1898, casou-se com a filha de um
oficial do exército russo e militante socialista Nadežda Konstantinovna Krupskaja. Durante o exílio
siberiano escreveu muito e, em 1899, publicou o livro O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia.
Assim
que o seu exílio na Sibéria terminou, em 1900, Lênin saiu da Rússia e, durante
cinco anos viveu fora do país indo primeiro para Munique, depois para Londres
e, finalmente, Genebra. Nesse intervalo de tempo, adotou definitivamente a
alcunha de Lênin (derivado de Lena, nome de um rio siberiano), fundou o jornal Iskra (“faísca”, em russo), publicou o
livro Que fazer? no qual, entre
outros assuntos, critica a ala Menchevique (“minoria”), do Partido Operário
Social-Democrata Russo (POSDR), que defende uma aliança
entre a classes trabalhadora e a burguesia e liberal para derrubar o regime
czarista ao invés de uma aliança operário-camponesa defendida pela ala Bolchevique
(“maioria”).
Lênin com Trotsky (à direita, a fazer continência), em 1919
É
também neste período que tomou contato com duas pessoas que fariam história
mundialmente: Leon Trotsky (em 1902)
e Josef Stalin (1903).
Ao
retornar à Rússia, em 1905, participou da Revolução ocorrida nesse mesmo ano.
Foi uma época na qual ocorreram diversas revoltas de operários, camponeses,
marinheiros e soldados. Pressionado, o então Czar Nicolau II fez algumas reformas, dentre as quais a criação de uma
Duma (parlamento) e de partidos políticos, dos quais destacavam-se o Partido
Menchevique e o Partido Bolchevique, de Lênin. Porém, o Czar voltou atrás em
sua decisão e apenas a Duma continuou a funcionar de modo precário. Mais tarde,
Lênin dia que a Revolução de 1905 serviu de ensaio para a Revolução de 1917 e de
lição para os revolucionários, para que estes avaliassem seus erros e não
voltassem a cometê-los.
Em
1906, Lênin foi eleito líder do POSDR, mas, no seguinte, retorna para o exílio na
Europa Ocidental e lá ficaria até 1917. Durante esse tempo, escreveu e publicou
mais livros e desenvolveu sua teoria política.
Em 1914, eclodiu a I
Guerra Mundial (que será um assunto a
ser tratado em Panorama BR mais à frente) e Lênin se opôs à entrada da
Rússia no conflito por entender que os operários e camponeses estavam lutando
em uma guerra imperialista da burguesia. No início da guerra, chegou a ser
preso por tropas austríacas em uma pequena vila na Polônia onde residia. Logo
foi libertado e, em seguida, mudou-se para a Suíça, primeiro para Berna e,
depois, para Zurique.
A guerra foi um
desastre para a Rússia. Cerca de dois milhões de soldados morreram, mais dois
milhões foram feitos prisioneiros e um milhão estavam desaparecidos. As tropas
estavam sem comida, botas, munições e armas. A escassez de alimentos gerou
tumultos em Petrogrado (atual São Petersburgo), então capital do país. Quando o
abastecimento de alimentos e combustíveis parou, a situação ficou insustentável
e o Czar foi obrigado a abdicar em fevereiro de 1917. Foi formado um governo
provisório liderado pelo jovem advogado socialista Alexander Kerensky. Embora,
teoricamente, o governo provisório fosse o oficial, na prática, dividia o poder
com o Soviete (associação de
trabalhadores que era regido por autogestão) de Petrogrado.
As
notícias da queda da monarquia deixaram Lênin atônito. Quando o governo
provisório, contrariando as expectativas, disse que não retiraria a Rússia da
guerra, Lênin viu que era hora de voltar e tomar as rédeas da situação. Após
uma longa viagem de trem, chegou, em abril de 1917, à Estação Finlândia, em
Petrogrado. Durante o trajeto escreveu as Teses
de Abril, o programa para o Partido Bolchevique e ao desembarcar proferiu a
famosa frase: “Não precisamos de uma revolução burguesa. Todo poder aos
Sovietes!”.
Alexander Kerensky, líder do governo provisório
O
governo provisório sentiu o golpe e mandou prender os bolcheviques. Lênin fugiu
para a Finlândia em julho e, de lá, comandava a Revolução. Os tumultos
continuavam e a situação do governo liderado por Kerensky se deteriorava cada
vez mais. Em outubro, Lênin retornou da Finlândia e do Instituto Smolny – um
antigo colégio para moças – liderou a deposição do governo provisório, a
invasão e tomada do Palácio de Inverno, sede do governo, a rendição de Kerensky
e estabeleceu o governo bolchevique na Rússia. “Agora, vamos passar à
construção da ordem socialista”, disse em outra famosa frase.
A
construção começou com a retirada da Rússia da guerra, no início de 1918,
seguindo-se a instituição do sistema de saúde e educação universal e gratuita
para todo o povo, distribuição de terras aos camponeses e direitos políticos e
civis para as mulheres. Essas medidas eram simplesmente impensáveis durante o
período czarista. A economia começou a ser reorganizada para recuperar-se dos
estragos advindos da guerra.
Porém,
se a retirada da guerra foi uma promessa feita ao povo russo que os
bolcheviques cumpriram ao assumir o poder, essa atitude não agradou aos aliados
da Rússia no conflito, pois o país retirou-se sem consultar os outros. Devido a
isso e à natureza socialista da Revolução, vários países estrangeiros apoiaram
os anti-bolcheviques e os ajudaram a criar o Exército Branco. Era o início da Guerra Civil, que duraria mais
quatro longos anos.
A
resposta bolchevique veio rápida: foi criado e organizado em tempo recorde, sob
a direção de Trotsky, o Exército
Vermelho. Também foi criada uma polícia secreta, a Tcheka, para “combater atividades anti-revolucionárias”. Para
manter as tropas alimentadas e evitar o colapso econômico, foi criado o Comunismo de Guerra. Por sugestão de
Stalin, foi instituído o polêmico Terror
Vermelho, período no qual ocorreram muitas prisões e execuções.
Com
a vitória dos bolcheviques, o Comunismo de Guerra foi substituído pela Nova Política Econômica (NEP), que reconstruiu com sucesso a
indústria e a agricultura. Depois de tanta luta, parecia que finalmente a ordem
socialista seria construída em paz.
Entretanto,
após a vitória, Lênin sofreria três derrames cerebrais entre 1922 e 1923, decorrentes
de uma saúde debilitada devido ao excesso de trabalho. Os derrames o deixaram
com o lado direito do corpo paralisado e sua saúde decaía cada vez mais até
finalmente falecer em 21 de janeiro de 1924.
Aí
temos Lênin, a figura histórica, mas quem era Lênin, o homem?
Nas
palavras do jornalista estadunidense John
Reed, autor do livro Os Dez Dias Que
Abalaram o Mundo, no qual relata, no calor da hora, a Revolução Socialista
Russa, Lênin era "Uma figura, baixa e atarracada, com uma grande cabeça estabelecida
em seus ombros, calvo e saliente. Olhos pequenos, boca larga e queixo pesado,
bem barbeado agora, mas já começam a ofender com a barba bem conhecida de seu
passado e futuro. Vestido com roupas surradas, calças demasiadamente longas
para ele. Inexpressivo, para ser o ídolo de uma multidão, amado e reverenciado
como talvez poucos líderes na história podem ter sido. Um estranho líder
popular — um líder exclusivamente em virtude do intelecto; incolor, sem humor,
intransigente e individual, sem pitorescas peculiaridades, mas com o poder de
explicar ideias profundas em termos simples, de analisar uma situação concreta.
E combinado com astúcia, a maior audácia intelectual."[1]
Lênin ao ser entrevistado por H.G. Wells, em 1920
Já o escrito britânico H. G. Wells, autor de vários romances de sucesso tais como A Máquina do Tempo, A Guerra dos Mundos, A
Ilha do Dr. Moreau e O Homem
Invisível, que realizou uma entrevista com Lênin em 1920, assim descreveu o
líder revolucionário russo: “Encontramos finalmente Lênin, uma pequena figura em uma
grande mesa, numa sala bem iluminada com magnífica vista. Achei sua
escrivaninha um tanto bagunçada. Sentei-me a um canto da mesa, e o homenzinho –
seu pé mal tocava o chão quando ele se sentou na ponta da cadeira – virou-se
para conversar comigo, colocando os braços ao redor e sobre uma pilha de
papéis. Ele falava um inglês excelente (...). Eu tinha vindo com a expectativa
de discutir com um marxista doutrinário (Wells
era um Socialista Utópico – nota do autor). Não encontrei nada parecido.
Tinha ouvido falar que Lênin gostava de dar lições às pessoas; ele certamente
não o fez nesta ocasião. Muito se falou de sua risada nas descrições, uma
risada que poderia ser prazerosa a princípio e cínica ao final. Esta risada não
apareceu. Sua testa me lembrou a de alguém – não pude lembrar quem, até que em
uma outra tarde eu vi Sr. Arthur Balfour (ex-primeiro-ministro
britânico) sentado e falando
sob uma luz fraca. É exatamente a mesma abóbada, o crânio ligeiramente
unilateral. Lênin tem uma agradável, mutável, face amorenada, com um vívido sorriso
e o hábito (talvez por alguma dificuldade em enxergar) de apertar um olho
quando pausa a conversação; ele não se parece muito com as fotografias que você
conhece dele porque é uma dessas pessoas cuja mudança de expressão é mais
importante que os rasgos; ele gesticulava um pouco com suas mãos sobre os
papéis amontoados enquanto falava, e falava rapidamente, muito perspicaz sobre
a sua matéria, sem nenhuma pose ou pretensão ou reserva, como um bom homem de
ciências falaria”.[2]
Porém, a melhor descrição de
Lênin talvez tenha sido feita pelo historiador francês Arthur
Conte: “SÓCRATES PROCLAMADO REI. Assim é possível resumir, com
uma metáfora, a longa e taciturna vida (...). Durante 40 anos - de
aproximadamente 1877, quando tinha 17 anos e tomou partido do marxismo contra
os antigos regimes até 1917, quando foi chamado para dar "o último
golpe" contra a dinastia dos Romanov -, sua existência se resume a uma
única imagem: o homem que permanece sentado rascunhando enquanto sua
companheira, Nadjeda Krupskaia, organiza fichas.
Lênin em seu escritório por volta de 1920
Aos 20 anos, Lenin já era o que seria 40 anos mais tarde: a
aparência envelhecida, a silhueta magra e
pequena, o paletó lustroso nos cotovelos, as botinas gastas, a cabeça grande
demais para ombros tão estreitos, a fronte ossuda e os olhos mongólicos. Ele tinha
crises de riso nervoso e uma voz rouca, cortando as sílabas e cindindo as
frases. Sofria de uma timidez prodigiosa, que só superava por uma energia
prodigiosa. (...)
Ora lembra o rato de biblioteca, gordo e de dentes afiados,
que rói pacientemente a casa, ora a aranha tecendo a teia. (...) Há
momentos em que lembra a formiga. (...) Uma formiga não esquece,
principalmente, de acumular provisões. (...)
A revolução bolchevista, sob a luz dos ideais marxistas, foi
a grande vitória desse rato, dessa aranha e dessa formiga”. [3]
Obviamente que há aqueles que o chamam de
autoritário, ditador e até de assassino. Como toda grande personalidade teve
atitudes discutíveis como, por exemplo, ao autorizar a execução
do Czar Nicolau II e toda a sua família durante o período do Terror Vermelho,
execução essa que chocou o mundo inteiro.
Embora
tivesse um bom casamento com Krupskaja (chegou a admitir certa vez que era um
“casamento pequeno-burguês”), houve momentos de crise. Lênin teve um caso com a
bela e culta militante socialista francesa Inês
Armand
durante seu exílio em Paris. A crise foi superada, mas, nesse aspecto, o homem
comunista mostrou ser um homem como outro qualquer.
Tornou-se poderoso, mas não fazia ostentação.
Segundo Arthur Conte, ao mudar-se para o Kremlin, Lênin “Escolheu um aposento antes ocupado por um serviçal.
(...) Ele se instalara num escritório estritamente funcional, sem cortinas,
desprovido do luxo característico dos que os capitalistas ocupavam. Trabalhava
diante de um móvel rústico, lotado de documentos e dossiês, muitas vezes também
empilhados numa simples poltrona de junco. A rudimentar decoração se completava
com um singelo aquecedor a carvão, um pequeno cartão dos confins russo-turcos
e, numa parede, o retrato de Marx. Ele proibiu que expusessem sua foto pelo
Kremlin. Quando ia ao barbeiro para cortar os cabelos, jamais passava na frente
de ninguém. Fazia questão de esperar sua vez. Durante o inverno rigoroso de
1917-1918, ficou sem aquecimento, como todos os moscovitas: “Não tem mais
madeira. Eu também preciso fazer economia”. Ele sentia frio nos pés, mas não
queria pele de urso - um simples feltro lhe bastava. Usava cotidianamente um de
seus casacos mais velhos de emigrado”. [4]
Lênin, um revolucionário para o século XXI
Mesmo seus mais ferrenhos adversários e
críticos não negam que ele possuía uma enorme inteligência. Era um erudito, um
estudioso sistemático e um analista extremamente metódico. Foi por meio de seus
estudos e análises que afirmou em outra famosa frase: “Sem teoria
revolucionária não há movimento revolucionário”. Em outras palavras, o
pensamento ligado à ação. E foi essa ligação que fez com que a vitória obtida
na Revolução se tornasse um triunfo completo.
Lênin pregava que era imprescindível que
houvesse um partido forte, organizado e unido para obter o sucesso
revolucionário. Talvez essas sejam algumas de suas maiores contribuições: sem
organização, um objetivo claro traçado e união não se chega a lugar algum.
Outra grande contribuição foi a sua teoria
política – que mais tarde recebeu a denominação de Leninismo – que combinava a teoria marxista do século XIX com a
realidade do início do século XX. Lênin sabia que o Socialismo é uma ciência e,
como tal, sempre está permanentemente a evoluir.
Provavelmente esse seja o grande erro da
esquerda atual: ficar presa a velhos dogmas ao invés de fazer evoluir o
Marxismo para a realidade deste início de século XXI, uma época de tecnologia
digital na qual notebooks, celulares, tablets e internet dão o tom e reinam
supremos. Lênin, aliás, era um entusiasta da tecnologia. Segundo Wells, Lênin
apostava sua fichas “em um
esquema de desenvolvimento de grandes estações de energia na Rússia para
atender todas as províncias com luz, transporte e energia industrial. (...) ele
vê as decadentes ferrovias substituídas por um novo transporte elétrico, vê
novas estradas se estendendo sobre o país, vê um novo e feliz comunismo
industrial recomeçando.” [5]
Mesmo sendo uma pessoa
realista, permitia-se a sonhar.
Lênin
foi inevitável, quer as pessoas gostem ou não. Os estudos, atos e palavras, que
levaram a uma ação transformadora, deste líder incomum são o seu legado para
este mundo atual no qual, a cada dia, diante de uma opressão cada vez maior vinda
das classes dominantes e donos do poder, surgem novos movimentos e novas
manifestações na esperança de um mundo mais justo, mais igualitário e melhor.
Publicado também no site do Centro de Mídia Independente (CMI).
Publicado também no site do Centro de Mídia Independente (CMI).
Discurso de Lênin: O Que é o Poder Soviético?
(Original em Russo, com legendas em Português)