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Editorial

Em breve.

sábado, 30 de novembro de 2013

New York Cosmos: O Retorno do Rei



A equipe do New York Cosmos acaba de sagrar-se campeão estadunidense de futebol, ou, “soccer”, como esse esporte é chamado nos Estados Unidos.
Os mais velhos, ao lerem o parágrafo, devem estar a pensar, “deve ser um replay de jogo antigo”. Então, dão um suspiro de saudades e dizem “Puxa, há quanto tempo”. Nada disso. Depois de um longo hiato, o Cosmos voltou às competições oficiais em 2013 e, mal retornou, já conquistou o campeonato.
Os mais jovens, acostumados a times tais como Corinthians, Boca Juniors, Barcelona, Real Madrid, Milan e Manchester United, e que nem eram nascidos na época, devem estar a perguntar “Mas que time é esse New York Cosmos?”. Acompanhem as linhas seguintes e conhecerão a história fantástica de uma lenda do futebol mundial.

Origens

Randy Horton, primeiro ídolo e artilheiro do Cosmos

Até o final da década de 1960, o futebol nos EUA (ou “soccer”, nome dado para que não houvesse confusão com o “football” que, nos países de língua de portuguesa, é chamado de “futebol americano”) era praticamente nada, apesar do país ter obtido um honroso terceiro lugar na primeira Copa do Mundo, disputada no Uruguai, em 1930, e, vinte anos depois, ter protagonizado uma das maiores “zebras” do futebol mundial: a vitória sobre a poderosa Inglaterra, durante a Copa do Mundo de 1950, disputada no Brasil. Além do mais, a América tem um dos campeonatos mais antigos do continente, a U.S. Open Cup (Copa Aberta dos EUA), disputada sem interrupções desde 1914. Apesar de tudo isso, o “soccer” não decolava no país.
Em 1968, um pequeno grupo de entusiastas do “soccer” decidiu fundar uma nova liga para organizar um campeonato nacional e divulgar o esporte pela nação: nascia a North American Soccer League (Liga Norte-Americana de Soccer), cuja sigla era NASL. Era uma tentativa séria de popularizar o jogo entre os estadunidenses, mas estava difícil, pois, além da maioria das equipes serem semi-profissionais – e até mesmo amadoras – não havia uma cobertura por parte da imprensa local, que preferia concentrar-se nos três esportes mais amados pelo público: o futebol americano, o basquetebol e o beisebol. A NASL percebeu que não só deveria profissionalizar-se, como também precisava contar com equipes profissionais na liga. Em 1970, essa equipe finalmente chegou.
A Warner Communications era uma empresa ligada ao famoso estúdio de cinema Warner Brothers e uma companhia gigante do ramo do entretenimento e de mídia – a maior do mundo na época. Além de cinema, também era proprietária da gravadora Atlantic Records (que, entre seus contratados estavam nomes como Ray Charles e Led Zeppelin), da fábrica de vídeo games Atari (que lançou os jogos Space Invaders e Pac Man), entre outros investimentos. Os fundadores da Atlantic Records, os irmãos Nesuhi Ertegün e Ahmet Ertegün, ambos nascidos na Turquia, acreditavam no potencial da NASL e sugeriram ao presidente da empresa, Steve Ross, a criação de um time de futebol com base em Nova York.

The Big Boss
O empresário Steve Ross

Antes de haver Ted Turner, Rupert Murdoch ou Silvio Berlusconi, magnatas e grandes nomes da mídia internacional, havia Steve Ross, o criador da Warner Communications.
Steve Ross era um homem carismático, charmoso, paternal, apaixonado por tudo o que fazia, fã de esportes e também era considerado um empresário visionário, muito à frente de seu tempo. Ross havia assistido as Copas do Mundo de 1966 (que foi transmitida para os EUA pela rede de televisão britânica BBC) e 1970 e já tinha percebido a força do “soccer”. Para Ross, tudo era possível, inclusive o “soccer” na América. Portanto, nada mais lógico que criar um time do esporte mais popular do mundo na maior cidade do mundo em um dos dois países mais poderosos do mundo (o outro era a então União Soviética, cujo “soccer” já era bem desenvolvido e, em plena Guerra Fria, os EUA não gostavam de ficar atrás da URSS em nenhum campo). Sob as bênçãos do Big Boss (Chefão, em inglês) o New York Cosmos – abreviação de cosmopolitans, cosmopolitas em inglês - acabava de nascer.


O goleiro Shep Messing posou nu e causou um grande escândalo

O Cosmos fez a sua estreia na NASL em 1971 com uma vitória de 2x1 sobre o Saint Louis Stars e chegou às semifinais da competição. No ano seguinte, conquistava o seu primeiro título, além de ter o artilheiro da liga, o bermudense Randy Horton, com 13 gols marcados, que também foi a revelação do campeonato. Em 1973, chegou novamente às semifinais, mas, em 1974, fez uma campanha fraca. Apesar da imprensa local ter começado a fazer uma cobertura – ainda que tímida – do time e do campeonato, o “soccer” custava a engrenar nos EUA  e, para piorar, no final do ano, um de seus ídolos, o goleiro Shep Messing, aceitou uma proposta da revista Playgirl (a versão feminina da revista Playboy) e posou nu para um ensaio fotográfico, o que era considerado um escândalo na época. Shep, ingenuamente, acreditava que isso ajudaria a divulgar a equipe. O goleiro foi demitido e Steve Ross viu que precisava dar mais do que uma simples chacoalhada no time. Também precisava levantar o campeonato e, consequentemente, o “soccer” estadunidense.
Demonstrando, mais uma vez, que era um empresário que realmente enxergava longe, Ross decidiu usar a estrutura, a força – e o dinheiro – da Warner Communications para contratar os melhores jogadores que estivessem no mercado e, em 1975, foi feito o anúncio de sua primeira contratação, que caiu feito uma bomba nos jornais do mundo inteiro: ninguém menos que o maior astro do “soccer” de todos os tempos, Edson Arantes do Nascimento, mais conhecido como Pelé.

Um rei em Nova York

Pelé

Pelé era um jogador único e um verdadeiro quebrador de recordes. O mais jovem jogador a vencer uma Copa do Mundo – com 17 anos de idade – e o maior vencedor dessa competição, com três títulos conquistados (em 1958, 1962 e 1970). No clube que o revelou, o Santos, ganhou praticamente todos os campeonatos que disputou, que incluem a Copa Libertadores da América, em 1962 e 1963, e a Copa Intercontinental (também conhecida como “Mundial Interclubes”) nesses mesmos anos, além de vários campeonatos nacionais e regionais no Brasil. Também era o recordista de gols marcados, mais de 1000 em sua trajetória.
O jogador brasileiro havia encerrado sua carreira profissional no ano anterior, porém, diante da proposta de Ross de cinco milhões de dólares (a maior contratação de um esportista feita até então), e com um salário anual de 1,5 milhão de dólares – o que o tornava o atleta mais bem pago do mundo naquele tempo - decidiu retomar a carreira e tornou-se jogador do Cosmos.
Apesar de a proposta milionária ser irrecusável, sua contratação não foi fácil. A ditadura militar que governava o Brasil há 10 anos com mão de ferro não via com bons olhos a ida de um símbolo do país para atuar na terra do Tio Sam e fez o possível para “melar” o negócio. A oposição política, que era brutalmente reprimida pelos militares, também ficou descontente, pois achava que Pelé se tornaria uma marionete do imperialismo yankee.
Para contornar essa situação desagradável, Ross apelou para um antigo conhecido, o secretário de estado do governo dos EUA, Henry Kissinger. Kissinger, um alemão naturalizado estadunidense, era um apaixonado por “soccer”, tanto que fez questão de assistir a Copa do Mundo de 1974, realizada em seu país natal, in loco. Ao travar contato com a ditadura brasileira, Kissinger argumentou que a ida de Pelé para os EUA seria ótimo para incrementar as relações entre os dois países. Os militares cederam, Pelé viajou imediatamente para Nova York e assinou seu contrato em uma cerimônia cheia de pompa e concorridíssima por publico e imprensa.
Com a chegada de Pelé (que foi chamada de “a contratação do século”), a média de público do Cosmos, que era de 3.000 pessoas, imediatamente subiu para 10.000. Na estréia do “rei”, havia uma cobertura de mais de 300 jornalistas de todo o mundo e a partida foi transmitida ao vivo para 22 países. Sucesso absoluto e, na esteira desse sucesso, foram chegando para as demais equipes da NASL outros grandes astros tais como o português Eusébio, os ingleses Bobby Moore e Geoff Hurst, o irlandês George Best e o alemão Gerd Muller. O público correspondeu. A jogada de Ross mostrou-se mais do que acertada. 
Com a máquina publicitária da Warner a funcionar a todo vapor e Pelé a fazer a sua parte, a popularidade do Cosmos – e do “soccer” – aumentava dia-a-dia nos EUA. Pelé fez uma apresentação em Washington D.C., na Casa Branca, para o então presidente Gerald Ford com toda a mídia presente. Mas, Steve Ross queria mais. Em 1976, contratou o centroavante italiano, Giorgio Chinaglia.

O “matador” italiano

O desengonçado, mas artilheiro, Chinaglia

Chinaglia era um atacante alto, forte e meio desengonçado. Morou em sua juventude no País de Gales, por isso tinha perfeito domínio da língua inglesa (falava com sotaque galês). Tecnicamente não era grande coisa, mas era um “matador”, com um faro de gol incomum. Veio do clube italiano Lazio e ajudou a equipe a conquistar o seu primeiro Scudetto na temporada 1973-1974, da qual foi o artilheiro com 24 gols. Essa performance valeu-lhe uma convocação para a seleção da Itália que disputou a Copa do Mundo de 1974. Com Chinaglia e Pelé em campo, o Cosmos chegou mais uma vez às semifinais da liga e Pelé foi eleito o melhor jogador do campeonato.
Porém, a chegada de Chinaglia não agradou a Pelé. O brasileiro esperava ser o ídolo máximo e não repartir o amor da torcida com alguém que considerava um mero coadjuvante. O jeito passional, o carisma e, principalmente, os gols de Chinaglia conquistaram os torcedores do Cosmos. A fama de Pelé não impressionava o italiano, ao contrário, o estimulava a querer superar o brasileiro em tudo, fosse em campo ou fora dele, o que incluía as mulheres - que eram muitas – que corriam atrás dos jogadores. Chinaglia era uma das poucas pessoas no mundo que criticavam Pelé abertamente. O choque de egos foi inevitável.
Ficou famoso um episódio que ocorreu no vestiário do Cosmos após uma partida na qual Chinaglia acusou Pelé de não querer passar-lhe a bola para que pudesse marcar gols. Pelé não gostou e disse que Chinaglia não chutava “de p... nenhuma de ângulo”.  Furioso, o italiano, aos berros, respondeu: “Eu sou Chinaglia. E se Chinaglia chuta de algum lugar, é porque Chinaglia pode marcar um gol dali”. Pelé saiu do vestiário em lágrimas.
A briga Chinaglia-Pelé fez com que o Cosmos fosse eliminado das semifinais, o que não agradou nem um pouco a Steve Ross. Para acalmar um pouco os ânimos, foi organizada entre o final de 1976 e início de 1977, uma excursão à Europa na qual a equipe passou pela Inglaterra, França, Bélgica, Suíça e Itália como embaixadores do “soccer” estadunidense. Essa excursão parecia mais uma turnê de uma banda de Rock do que de um time de futebol devido ao luxo e glamour que havia nela, dignos de verdadeiros popstars. A publicidade foi enorme. Mas Ross não dormia de touca e aproveitou para contratar jogadores de diversos países, inclusive Shep Messing, que voltava ao time a pedido de Pelé. Entre esses jogadores, haviam dois que fariam história no Cosmos.

O Capita e Der Kaiser

Franz Beckenbauer e Carlos Alberto Torres

O brasileiro Carlos Alberto Torres foi capitão (chamado carinhosamente de Capita pelos outros jogadores) e companheiro de Pelé na seleção do Brasil, que venceu a Copa do Mundo de 1970. Era lateral direito e vinha, com sua grande técnica e experiência, reforçar e comandar a defesa do Cosmos. O alemão Franz Beckenbauer era jogador de meio-campo e foi o capitão da seleção da Alemanha que venceria a Copa seguinte, em 1974 – além da Eurocopa, em 1972. Em 1976, venceu a Liga dos Campeões da UEFA e a Copa Intercontinental por sua equipe, o Bayern de Munique e estava no auge de sua carreira.
Além de ser mais uma contratação de impacto, Beckenbauer também tinha a missão de apaziguar a briga entre Pelé e Chinaglia. Der Kaiser (O Imperador, em alemão) era um sujeito calmo e ponderado, que impunha-se pelo exemplo ao invés de violência física ou verbal. Em outras palavras, um líder nato, que foi aceito naturalmente pelo grupo.
Desta vez, quem ficou enciumado foi Chinaglia, que disse que não havia necessidade de contratar Beckenbauer. Porém, devido à grande receptividade dada ao alemão pelo elenco e pela torcida, calou-se e tratou de ter uma convivência mais civilizada com Pelé, que teve a mesma atitude. A missão de Beckenbauer estava cumprida.

Show e consagração

Pelé e Chinaglia fizeram as pazes e jogaram em equipe

Com a paz feita e o time devidamente reforçado com 14 jogadores de sete países diferentes, o objetivo, agora, era o título da temporada de 1977. Pelé, Beckenbauer, Carlos Alberto, Chinaglia, Messing (que foi perdoado por Ross e retornou à posição de goleiro titular)... A equipe do Cosmos era realmente um timaço. Todos estavam muito confiantes e Steve Ross conseguiu que o time mandasse seus jogos no recém-inaugurado e imponente Giants Stadium, com capacidade para 77.000 pessoas. Ross novamente acertou, pois as pessoas enchiam as arquibancadas para ver o Cosmos jogar. E o time não decepcionava seus torcedores, dava um verdadeiro espetáculo em campo. E, para completar esse espetáculo, haviam as lindas cheerleaders (as líderes de torcida), apresentações diversas durante o intervalo e o mascote do time, o coelho Bugs Bunny (no Brasil, Pernalonga). Era um verdadeiro show business, bem ao estilo americano. Steve Ross sabia como fazer as coisas funcionarem.
O show continuava no vestiário. Dezenas de artistas contratados da Warner Communications e personalidades visitavam o time. Nomes como os atores Dustin Hoffman e Robert Redford, as atrizes e cantoras Barbra Streisand e Betty Midler, o cineasta Steven Spielberg, o artista plástico Andy Warhol, o boxeador campeão mundial dos pesos-pesados, Muhammad Ali e Henry Kissinger (que era um torcedor fanático do Cosmos, do tipo que não perdia um jogo da equipe) eram presença constante antes e depois das partidas. Beckenbauer chegou a comentar: “Algumas vezes pensava que estava em Hollywood”.
Em uma dessas visitas, havia um rapaz de cabelos longos, magricelo e branquelo, que estava visivelmente “chapado” e “causando” no vestiário. Ao ver aquilo, o técnico do Cosmos, o inglês Gordon Bradley, ficou uma fera e gritou: “Quem é esse cabeludo f.d.p.? Alguém tire esse cara daqui!”. O cabeludo era Mick Jagger, o cantor da banda The Rolling Stones que foi, gentilmente, convidado a se retirar...
Após passar pelos play-offs (com estádios sempre lotados), o Cosmos chegou à disputa do Soccer Bowl - a grande final da NASL - contra a equipe do Seattle Sounders. O Cosmos venceu por 2x1, com Chinaglia marcando o gol do título. Pelé foi escolhido como o melhor jogador da partida e Beckenbauer como o melhor do campeonato. Era a consagração do Cosmos e de Steve Ross, “pai” da equipe e “padrinho” do “soccer” estadunidense.
Após a conquista, a rede de televisão ABC, uma das chamadas “três grandes” emissoras dos EUA (as outras são a NBC e a CBS), especializada em esportes, assinou um contrato com a NASL para transmitir com exclusividade os jogos da liga por três anos – principalmente do Cosmos. Steve Ross esfregava as mãos de contentamento.
Porém, o contrato de Pelé terminava ao final de 1977 e o astro maior do Cosmos decidiu encerrar, definitivamente, sua carreira. Ross tentou convencê-lo a mudar de ideia, mas o “rei” estava irredutível: desta vez parava mesmo! Para a despedida no Giants Stadium lotado, foi convidada a equipe do Santos. Pelé jogou um tempo em cada time e o Cosmos venceu por 2x1. Um Pelé visivelmente emocionado despediu-se do esporte que deu-lhe tudo, inclusive a glória na América.


O bicampeonato e partidas internacionais

Cruyff fez uma única, mas memorável partida

Na temporada de 1978, a primeira sem Pelé, foi contratado o holandês Johan Neeskens, meio-campo da seleção da Holanda, que foi vice-campeã nas Copas do Mundo de 1974 e 1978. O bicampeonato veio naturalmente e Chinaglia foi o artilheiro da competição com 34 gols marcados. A média de público foi de 47.856 pessoas. Nesse ano começaram as excursões do Cosmos pelo mundo e a disputa de amistosos internacionais contra grandes equipes internacionais. Em um deles, contra uma seleção de jogadores que disputaram a Copa de 1978 (com exceção da seleção da Argentina, vencedora da competição), teve a participação especialíssima do maior jogador holandês de sempre: Johan Cruyff, o maestro da seleção da Holanda, a Laranja Mecânica, que maravilhou o mundo na Copa do Mundo de 1974. A partida terminou em 2x2, com um golaço de Chinaglia e uma exibição magnífica e inesquecível de Cruyff.
Outro jogo muito lembrado foi em 1979, justamente contra a então seleção campeã do mundo, a Argentina, que contava com seus principais jogadores, entre eles Diego Maradona, El Pibe de Oro. Os argentinos achavam que teriam vida fácil nesse jogo. Enganaram-se redondamente. É verdade que venceram a partida por 1x0 (com um gol de Daniel Passarella aos 46 minutos do segundo tempo), porém não contavam com uma exibição de gala do Cosmos, que jogou de igual para igual contra os campeões mundiais, com destaque para Carlos Alberto Torres, que foi o melhor jogador da partida.

Auge e queda

O Cosmos em um amistoso na Argentina, em 1980

Em 1979, o Cosmos chegou às semifinais, mas foi surpreendido pela equipe canadense Vancouver Whitecaps que venceu por 2x1 e se tornaria o campeão daquele ano. Chinaglia foi novamente o artilheiro do campeonato com 26 gols. Porém, em 1980, com o reforço do craque paraguaio Romerito, campeão da Copa América com a seleção de seu país no ano anterior, o Cosmos voltou a ser campeão e Chinaglia voltou a ser o artilheiro, com 32 gols. O time teve nesse ano uma média de público de 42.754 pessoas. O famoso estilista Ralph Lauren desenhou os novos uniformes do time. “Éramos tão grandes quanto os Yankees (New York Yankees, o popular time de beisebol da cidade, onde atuou o famoso Babe Ruth) e maiores que os Giants (New York Giants, time de futebol americano)”, afirmava Shep Messing. Era o auge do Cosmos e do “soccer” nos EUA. Mas, com a chegada ao topo, começou a queda.
Em 1981, o Cosmos foi vice-campeão. Perdeu o título na disputa de pênaltis para o Chicago Sting. Chinaglia foi o artilheiro pelo quarto ano seguido, com 29 gols feitos. A média de público caiu para 34.835 pessoas. Ainda uma boa média, mas indicava que o encanto já não era o mesmo. A rede ABC não quis renovar o contrato de transmissão dos jogos com a NASL. Definitivamente, algo não corria bem.
Em 1982, já sem a transmissão da TV, a média de público do Cosmos caiu para 28.479 pessoas. Ainda assim, o time conquistou o título daquele ano, o quinto em sua história. Carlos Alberto Torres encerrou a carreira naquele ano. A campanha do Cosmos na temporada de 1983 foi a mais fraca em muitos anos. A equipe não chegou sequer nas semifinais e passava por uma crise financeira devido a problemas na Warner. Para piorar, Beckenbauer e Chinaglia encerram a carreira nesse mesmo ano e a NASL também andava mal das pernas.

O fim
A temporada de 1984 foi a pior na história do Cosmos. O time não passou sequer da primeira fase do campeonato. A média de público foi de 12.817 pessoas. Após a disputa do Soccer Bowl daquele ano, a NASL decidiu encerrar as suas atividades. Era o fim do sonho do “soccer” eatadunidense.
Chinaglia, que havia se tornado íntimo de Steve Ross, comprou a equipe e tranformou o Cosmos em um time de Indoor Soccer (no Brasil, Showbol). Shep Messing voltou a atuar para ajudar a equipe, mas esta acabou definitivamente em 1985.

Após o fim

Chinaglia comprou o Cosmos e o vendeu para Pinton (direita)

O primeiro artilheiro e ídolo do Cosmos, Randy Horton, retornou ao seu país natal, Bermuda e encerrou lá sua carreira de futebolista, mas continuou como jogador de Cricket – inclusive atuando pela seleção nacional – até 1980. Em 1998, ingressou na política e, atualmente é o presidente do parlamento bermudense, sendo o primeiro político da oposição a obter esse cargo.
Shep Messing encerrou a carreira esportiva em 1987 e tornou-se empresário de jogadores e comentarista esportivo, tendo comentado as Copas de 1986, 2002 e 2006, além do torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de 2008. Atualmente, além dessas funções, é embaixador do Cosmos.
Mesmo aposentado do futebol, Pelé continua a ser um grande astro e empresário de sucesso. Arrasta multidões por onde quer que passe. Atuou em filmes para o cinema, foi comentarista na Copa de 1994 e teve vários romances, sendo o mais famoso com a modelo e apresentadora de TV, Xuxa. Porém, junto com o sucesso, vieram as polêmicas com frases tais como “O povo brasileiro não está preparado para votar (sobre a volta da democracia ao Brasilnota do autor)” e “Vamos esquecer as manifestações (que sacudiram e sacodem o país desde junho de 2013nota do autor) e apoiar a seleção na Copa das Confederações”. Apesar disso, continua a ser o brasileiro de maior prestígio no exterior, tendo sido eleito o atleta do século XX e embaixador da Copa do Mundo de 2014.
Logo após encerrar a carreira de jogador, Carlos Alberto Torres iniciou a carreira de treinador, na qual teve relativo sucesso, sendo seus principais títulos o Campeonato Brasileiro de 1983, pelo Flamengo e a Copa Conmebol de 1993, pelo Botafogo. Também atuou como comentarista no rádio e na TV. Filiou-se ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) e foi eleito vereador da cidade do Rio de Janeiro em 1989 e encerrou o mandado em 1993. Atualmente também é embaixador da Copa de 2014.
Após o término de seu contrato com o Cosmos, Franz Beckenbauer transferiu-se para a equipe alemã Hamburgo e lá conquistou o campeonato alemão e encerrou a carreira de jogador iniciando, logo em seguida, a de técnico, dirigindo a seleção da Alemanha. Seu primeiro resultado expressivo nessa nova função foi o vice-campeonato na Copa do Mundo de 1986, vencida pela Argentina, liderada por Diego Maradona. Porém, na Copa de 1990, Beckenbauer levou a Alemanha à vitória vencendo a mesma Argentina de Maradona na final. Após essa conquista, dirigiu o Bayern de Munique tendo conquistado o campeonato alemão na temporada 1993-1994 e a Copa da UEFA, na temporada 1995-1996. Foi vice-presidente da Federação Alemã de Futebol, presidente do Bayern de Munique e fez parte do comitê organizador da Copa do Mundo de 2006. Atualmente é presidente de honra do Bayern de Munique e continua a ser muito respeitado no mundo inteiro.
Giorgio Chinaglia vendeu o Cosmos a seu empresário e amigo Giuseppe “Peppe” Pinton, voltou para a Itália e tornou-se presidente da Lazio. Depois, retornou aos EUA e trabalhou como comentarista na rádio (onde tinha um programa semanal) e televisão tendo comentado a Copa do Mundo de 2006. Foi eleito para o hall da fama do futebol estadunidense em 2000 e, nesse mesmo ano, o Lazio o elegeu o melhor jogador no centenário do clube. Em 2008, foi acusado pela polícia da Itália de usar métodos ilícitos para vender o Lazio e também de ser membro da Camorra (a Máfia da cidade italiana de Nápoles). Era embaixador do Cosmos quando morreu de ataque cardíaco, em 2012, pouco mais de um mês após ter se divorciado.
Após o fim do Cosmos e de resistir a uma investida de Rupert Murdoch de adquirir a Warner, Steve Ross ainda estava envolvido com o “soccer” e usou todos os seus contatos na campanha dos EUA para sediar a Copa do Mundo de 1986 após a desistência da Colômbia de organizar o evento. Porém, a FIFA preferiu levar o mundial para o México, que já havia recebido a competição em 1970. Mostrando, como sempre, que era um homem de visão, investiu na TV à cabo e foi responsável pela criação dos canais MTV, especializado em música jovem e Nickelodeon, voltado para o público infantil. Também investiu na, então, nascente indústria dos vídeos domésticos e em outros experimentos. Em 1989, a Warner Communications juntou-se à Time Inc. (proprietária da revista semanal de notícias Time, entre outras publicações) e formaram a Time Warner, a maior empresa de mídia e entretenimento da época e, ainda hoje, uma das duas maiores companhias do ramo. Steve Ross morreu de câncer, em 1992.
Peppe Pinton transformou o Cosmos em uma escolinha de futebol para crianças e pré-adolescentes e também vendia camisetas, livros, vídeos e muitos outros souvenirs que remetiam à história da equipe.

Memória viva

Cartaz do documentário "Once in a Lifetime"

Mesmo sem atuar profissionalmente há vários anos, a memória dos Cosmos sempre continuou bem viva nos corações e mentes estadunidenses e, particularmente, nos dos novaiorquinos. Em 2006, foi lançado nos cinemas o documentário Once in a Lifetime – The Extraordinary Story of The New York Cosmos (Uma Vez na Vida – A Extraordinária História do New York Cosmos, em inglês). Narrado pelo ator Matt Dillon (que nasceu e cresceu na área metropolitana de Nova York), o documentário tem farto material da época tais como fotos, filmes dos jogos registrados pela Warner e muitas entrevistas com todos os principais envolvidos com o Cosmos, com exceção dos falecidos Nesuhi Ertegün e Steve Ross (seu filho, Mark, o representou) e Pelé que, por razões desconhecidas, não quis ser entrevistado. O filme fez sucesso e foi elogiado pela crítica especializada. Um subtítulo do filme era bem sugestivo: The Untold Story of the team that had America at its feet (A História não contada do time que teve a América a seus pés).
Porém, ao contrário do que foi dito no filme, não foi apenas uma vez na vida...

O retorno

Eric Cantona anuncia: "Estamos de volta"

Em 2009, foi anunciada oficialmente a volta da NASL. Após ficar mais de um ano arrumando patrocinadores, o primeiro campeonato foi disputado em 2011, com apenas oito equipes e com uma média de público de 3.770 pessoas. O campeão foi o NSC Minessota Stars. Em 2012, a média subiu para 3.810 pessoas e o campeão foi o Tampa Bay Roadies. No campeonato de 2013, a liga perdeu um time, mas ganhou um outro...
Após o anúncio da volta da NASL, foi anunciada, em 2010, uma outra volta. Essa volta já vinha sendo comentada há algum tempo, mas ninguém confirmava nada. Finalmente veio a notícia oficial: o New York Cosmos estava de volta!
O britânico Paul Kemsley foi vice-presidente da equipe inglesa Tottenham Hotspur e comprou o Cosmos de Peppe Pinton, por um valor não divulgado, em 2009. No ano seguinte, Pelé, que foi eleito presidente de honra da equipe, fez o anúncio oficial da volta do Cosmos. Nessa volta, foi anunciada a construção de um estádio próprio com previsão de inauguração em 2016 e investimentos nas divisões de base. Antigos astros tais como Chinaglia, Carlos Alberto Torres e Shep Messing e o ex-jogador da seleção dos EUA, Cobi Jones, tornaram-se embaixadores da equipe. Fazendo jus à história e tradição do time, foi feita uma contratação de impacto: para diretor de futebol foi contratado o ex-jogador francês Eric Cantona, que foi um polêmico, genioso e genial craque e artilheiro da seleção da França e do clube inglês Manchester United. Ao vincularem na TV e na internet o vídeo dessa contratação, Cantona, no melhor estilo “poderoso chefão” foi curto e grosso: We´re back! (Estamos de volta, em inglês).
O Cosmos fez sua primeira aparição pública em 2011, em um amistoso na cidade de Manchester, Inglaterra, contra o Manchester United, na partida que marcou a despedida de um dos grandes nomes do time inglês, Paul Scholes. Com Cantona de técnico, jogadores das divisões inferiores e outros convidados, o Cosmos foi goleado impiedosamente pelos Red Devils por 6x0. Porém, para a torcida e amantes do “soccer” no mundo inteiro, o que valeu mesmo foi a volta de uma lenda.
O ano de 2012 foi dedicado à montagem da equipe principal. Novamente, foi feita uma contratação de destaque para o time: o brasileiro naturalizado espanhol Marcos Senna, ex-jogador do Corinthians, pelo qual conquistou o Campeonato Mundial de Clubes da FIFA, em 2000; e da seleção da Espanha, pela qual venceu a Eurocopa, em 2008. Como técnico, foi anunciado o venezuelano Giovanni Savarese e o patrocinador da camisa é a milionária companhia aérea dos Emirados Árabes Unidos, Emirates.
Em 2013, finalmente ocorreu o retorno às competições oficiais, na boa e velha-nova NASL. O Cosmos entrou somente na segunda metade do campeonato (chamada de Fall Season). Nessa liga não existe rebaixamento. Embora tenha pego o bonde andando, o Cosmos mostrou a que veio e foi o vencedor com uma campanha de nove vitórias, quatro empates e apenas uma derrota, o que valeu-lhe a vaga para a disputa do Soccer Bowl contra o Atlanta Silverbacks, vencedor da Spring Season.
O chamado “efeito Cosmos” logo fez-se sentir: com a chegada do time de Nova York, a média de público do campeonato subiu para 4.670 pessoas, sendo que o Cosmos, sozinho, tinha uma média de 6.859 pessoas. Imaginem se tivesse jogado desde o início!
Embora em um palco bem mais modesto e sem o glamour da época de ouro da NASL, podia-se sentir a magia no ar. A decisão foi no estádio do adversário, mas o Cosmos não se intimidou e pressionou o Silverbacks desde o início, não dando chances aos donos da casa. Aos cinco minutos do segundo tempo, Marcos Senna recebeu a bola na entrada da grande área e fez um belo gol de cobertura. Após o gol, o Silverbacks tentou pressionar, mas o Cosmos defendeu-se bem até o apito final. Após 31 anos, o New York Cosmos era campeão do Soccer Bowl! A torcida invade o campo carregando fotos de Pelé...

Análise: o legado do New York Cosmos

O passado e o presente do New York Cosmos

Após essa história vertiginosa e empolgante, o que podemos concluir de tudo isso? O que faz um time de sucesso decair até desaparecer? No que o Cosmos acertou e no que errou?
A meu ver, foram vários os fatores que levaram o Cosmos ao topo e, ao mesmo tempo à derrocada. O primeiro fator foram suas contratações. Steve Ross acertou ao contratar grandes craques para o time, porém era um “esquema pesado”, pois, embora também tivessem suas estrelas, poucas equipes da NASL podiam equiparar-se financeiramente ao Cosmos. Para se ter uma ideia, o Cosmos tinha mais grana que os grandes clubes da Europa e isso acabou por inflacionar o mercado do “soccer” estadunidense. Praticamente não havia divisões de base. O Cosmos nunca disputou competições internacionais oficiais tais como a Copa dos Campeões da CONCACAF (atual Liga dos Campeões da CONCACAF, versão da América do Norte, América Central e Caribe da Copa Libertadores da América). Depois da saída de Pelé, não veio mais nenhum jogador de envergadura semelhante.
Outro fator foram os próprios jogos da liga. Por vezes pareciam mais com um show de um cassino de Las Vegas ou Atlantic City do que propriamente um campeonato e a rivalidade entre as equipes não foi devidamente estimulada. Com tudo isso, o interesse do público – que reagiu com entusiasmo no início – foi gradativamente diminuindo. As TVs estadunidenses não tinham muita experiência em transmitir esse tipo de esporte e utilizar os patrocínios de que dispunham durante a transmissão. A audiência caiu, os patrocinadores saíram e, consequentemente, os televisionamentos cessaram.
Durante muito tempo, dizia-se que o Cosmos e Pelé fizeram sucesso, mas não deixaram legado. Porém, como veremos, a seguir, isso não é verdade.
Após o fim da NASL, outras ligas de “soccer” foram formadas e organizaram campeonatos profissionais. O esporte mantinha-se vivo na terra de Marlboro. Crianças e adolescentes praticavam o “soccer” regularmente e, surpreendentemente, o futebol feminino teve um desenvolvimento espantosamente rápido, tornado os EUA a maior potência mundial desse esporte, com conquistas de títulos mundiais e olímpicos, entre outros. A supercraque estadunidense Mia Hamm, uma das maiores jogadoras em todos os tempos, disse em uma entrevista que ia assistir aos jogos do Cosmos quando era criança, o que a fez desejar ser jogadora profissional de “soccer”.
Entre as garotas tudo ia mais do que bem, mas e entre os rapazes?
Após terem falhado em organizar a Copa do Mundo de 1986, os estadunidenses voltaram à carga, desta vez para organizar a Copa do Mundo de 1994. A FIFA foi clara e direta: para organizarem a Copa nos EUA, era preciso não só que estes se classificassem para o Mundial de 1990, como também organizassem uma liga forte e competitiva e que fosse feita para durar.
Dito e feito: a seleção dos EUA classificou-se para a Copa de 1990 (o que não ocorria há 40 anos e, desde então, têm se classificado em todas as Copas subsequentes). No ano seguinte, a seleção conquistou a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos ao vencer o México na final. A FIFA deu o sinal verde, a Copa de 1994 foi organizada em território yankee e foi um grande sucesso, com uma média de público de 68.981 pessoas, surpreendendo a todos, principalmente a incrédula imprensa local. A seleção estadunidense fez boa campanha, chegando às oitavas-de-final (foi eliminada pelo Brasil, que conquistaria o título) e nomes como Toni Meola, Greg Lalas e Eric Wynalda tornaram-se familiares ao público. O velho Giants Stadium abrigou um dos jogos das semi-finais. O sonho de Steve Ross em ter a Copa do Mundo em seu país tornou-se realidade. Foi uma pena que ele não estivesse lá para ver.
A liga competitiva que a FIFA pedia foi formada no final de 1993. Nascia a Major League Soccer, mais conhecida pela sigla MLS (Panorama BR falará sobre a MLS em um futuro próximo) e teve seu primeiro campeonato realizado em 1996. Lembrando-se da experiência da NASL, a MLS procurou não repetir os erros da liga predecessora e organizou um campeonato nos moldes dos campeonatos europeus (o campeonato inglês foi a sua principal inspiração). Desta vez, a rivalidade entre as equipes foi estimulada. Embora a contratação de jogadores estrangeiros continuasse vigente, deu-se grande importância à formação de jogadores entre os jovens estadunidenses. Times da MLS conquistaram títulos internacionais como a Liga dos Campeões da CONCACAF e a Copa Interamericana (competição disputada entre o vencedor da Liga dos Campeões da CONCACAF e da Copa Libertadores da América).
Assim como nos tempos da NASL, a MLS também tinha seus grandes astros e contratações de impacto. Se a primeira tinha Pelé, a segunda tinha o britânico David Beckham, que assinou contrato com o Los Angeles Galaxy. A nova liga cresceu, tornou-se a principal liga de “soccer” dos EUA e equipes que “sobreviveram” à NASL (atuavam em outras ligas) tais como o Seattle Sounders, o Vancouver Whitecaps e o Portland Timbers, juntaram-se à MLS, o que trouxe a inevitável pergunta: e quanto ao New York Cosmos?
Haviam empecilhos para a entrada do Cosmos na MLS. A primeira foi a resistência de Peppe Pinton em autorizar o uso do nome do Cosmos, pois achava que isso mancharia a história do time. O segundo empecilho era o receio da MLS em permitir a entrada da equipe, pois o Cosmos tem uma marca tão forte no “soccer” dos EUA que os dirigentes temiam que ofuscasse os outros times da liga.
Porém, após Pinton vender a equipe e ao ver a volta do Cosmos, a MLS percebeu que a história que o time fundado por Steve Ross tem não trará prejuízos à ela, ao contrário, será extremamente benéfica e acena com a forte possibilidade de contar com o time de Nova York em breve, talvez mais breve do que se pensa!
A própria NASL tem se beneficiado dessa volta. Além do aumento de público, já é considerada a segunda liga mais importante do país (depois da MLS) e também já está confirmada a entrada na liga de mais três times em 2014 e mais dois em 2015. A tendência é de crescimento. Precisa dizer mais?

Viva o Rei!

O New York Cosmos de 2013 com Marcos Senna (número 19)

Ao escrever a saga O Senhor dos Anéis, o escritor J.R.R. Tolkien, obviamente, não pensava em “soccer”. Entretanto, para nomear e encerrar este texto, não resisti e tomei a liberdade de pegar emprestado o título do último volume da trilogia, pois este resume à perfeição essa volta triunfal do New York Cosmos, o maior time de “soccer” dos EUA: O Retorno do Rei.  

O Rei está vivo!

Vida longa ao Rei!


Também publicado no site do Centro de Mídia Independente (CMI).



Vídeo com os melhores gols do Cosmos




Documentário "Once in a Lifetime" (original em Inglês, sem legendas)



O gol de Marcos Senna que deu o título do Soccer Bowl 2013 ao Cosmos (narração em inglês) 




Eric Cantona: "We're Back!" 




terça-feira, 5 de novembro de 2013

Lembrai, lembrai o cinco de novembro

Cartaz japonês do filme "V de Vingança"


"Remember, remember, the fifth of November
The gunpowder, treason and plot;
I know of no reason, why the gunpowder treason
Should ever be forgot."
("Lembrai, lembrai, o cinco de novembro

A pólvora, a traição e o ardil;

por isso não vejo porque esquecer;

uma traição de pólvora tão vil")


O século XVII era uma época de tensões religiosas na Europa. Os católicos ingleses estavam extremamente irritados pelo fato do rei Jaime I, da Inglaterra (também chamado de Jaime VI, da Escócia), não conceder a eles os mesmos direitos dos protestantes. Um grupo de católicos, liderados por Robert Catesby, decidiu, então, eliminar não só o rei como também aqueles que o apoiavam no Parlamento britânico. Acreditavam que, com isso, iniciariam um levante que faria o catolicismo ser novamente a religião predominante no país. O plano era explodir o local com 36 barris de pólvora durante uma sessão parlamentar, na qual o monarca estaria presente, no dia cinco de novembro de 1605. O responsável pela guarda da munição e sua detonação era um homem chamado Guy Fawkes, um especialista em explosivos. Porém, o plano foi descoberto e Fawkes foi capturado, interrogado, torturado e, posteriormente, condenado à morte por enforcamento e, após a execução, seu corpo foi esquartejado.
Esse é um breve resumo da conjura que ficou conhecida como A Conspiração da Pólvora (The Gunpowder Plot). Desde então, em todo dia cinco de novembro, é celebrado na Grã-Bretanha e em países da comunidade britânica, um feriado chamado de a Noite de Guy Fawkes, (Guy Fawkes Night), ou a Noite da Fogueira (Bonfire Night). Esse feriado foi instituído, a princípio, como uma festividade pela sobrevivência do rei, mas, com o passar do tempo, começaram a soltar de fogos de artifício e a acender grandes fogueiras nas quais são queimadas máscaras ou bonecos a representar Guy Fawkes em uma cerimônia de humilhação do conspirador semelhante à “malhação do Judas” que ocorre no Brasil durante os festejos da Semana Santa.
De alguns anos para cá, a imagem do cinco de novembro novamente mudou. De conspirador fracassado e humilhado, Fawkes passou a ser visto não só como “o único homem a entrar no Parlamento com intenções honestas” (segundo um dito popular local), mas também como um símbolo de rebeldia e de anarquia. Essa mudança deve-se, em grande parte à graphic novel V for Vendetta (V de Vingança, nos países de língua portuguesa), publicada originalmente em 1982, com texto do inglês Alan Moore e desenhos do também inglês David Lloyd, na qual o personagem principal, um anarquista chamado apenas V, usa uma máscara inspirada nas feições de Guy Fawkes, luta e organiza uma revolução contra um estado fascista totalitário que estabeleceu-se na Inglaterra. A obra foi um sucesso de público e crítica e foi adaptada para o cinema com igual êxito. A máscara de Fawkes popularizou-se e tornou-se um ícone de manifestações e protestos.


Representação artística de Guy Fawkes

Entretanto, quem “turbinou” esse “new look” do cinco de novembro foi o grupo de hacktivismo chamado Anonymous. Tendo justamente o anonimato como forma de ação e divulgação de seus ideais (liberdade política e de expressão além de diversas causas sociais), o grupo “adotou” a máscara de Fawkes como seu “rosto” e organizou diversas manifestações ao redor do mundo por meio da internet e de seus diversos canais disponíveis (YouTube, Facebook, Twitter, etc.). Sua presença e influência puderam ser vistas e sentidas em manifestações tais como a Primavera Árabe e o Occupy Wall Street e em operações como a Operação DarkNet, na qual derrubaram mais de 40 sites de pornografia infantil e publicaram mais de 1500 nomes de pessoas que frequentavam essas páginas. No Brasil, apoiaram e participaram das manifestações ocorridas no mês de junho de 2013 e vem organizando outras tantas desde então como, por exemplo, a Operação Sete de Setembro, ocorrida no dia da Independência. E as máscaras de Fawkes cobriam o rosto de milhares de manifestantes.
Nos últimos anos, o grupo organiza uma manifestação global em todo o dia cinco de novembro, que é tida agora como uma data mundial de resistência e rebelião contra a corrupção de governos, tirania e injustiças sociais. Essa manifestação ganha mais e mais adeptos cada vez que é realizada e a máscara de Guy Fawkes, claro, não pode faltar nesse dia.
O fato é que o cinco de novembro e Guy Fawkes sintetizam o descontentamento geral que vem a ocorrer em todo o mundo nestes tempos sombrios de crise financeira internacional, espionagem e violência. As pessoas estão simplesmente cansadas do cotidiano que são obrigadas a encarar, seja viajar em um ônibus lotado ou da falta de liberdade e democracia ou a praga da corrupção política e começam a reagir contra esta situação opressiva e a usar os meios que tem em mãos que vão desde as manifestações em locais públicos até a internet, um meio poderoso de divulgação e organização, que, aliás, foi subestimada por muitos políticos como, por exemplo, o ex-presidente brasileiro Lula, que não acreditava na força da rede mundial de computadores – achava a televisão mais eficiente - até que as chamadas Revolta dos 20 Centavos e Revolta do Vinagre ocorreram e o fizeram “quebrar a cara”.
Os governos internacionais sentiram o golpe. Tentaram e ainda tentam conter todo esse movimento usando a mídia conservadora (governamental e/ou particular) para criticar e desacreditar os manifestantes que, de uma maneira geral, tem o apoio da população. O modo favorito é usar os Black Blocs – para muitos o “lado negro da força” do movimento – e seus polêmicos e contestados métodos violentos de protesto, os quais destroem patrimônios públicos e particulares, para criminalizar os manifestantes chamando-os de “baderneiros” e “vândalos”. O outro modo é usar uma tática do terror utilizando as forças de segurança civis (polícia) ou militares (forças armadas). Todos ainda lembram-se da violência policial ocorridas nas manifestações brasileiras, que incluía o uso de bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, contra os manifestantes e que também atingiu jornalistas que cobriam o evento. Em desespero, chegaram a proibir o uso de máscaras em manifestações – especialmente de nosso velho amigo Guy Fawkes...

Apesar dessa rude e dura reação por parte dos detentores do poder, as manifestações aumentam em um processo irreversível e o cinco de novembro é, cada vez mais, uma data para lembrar não de um atentado fracassado, mas de uma revolta contra um estado de coisas que não pode-se mais suportar e do desejo de mudança de situações intoleráveis por meio da união de pessoas de todas as raças, cores, credo e orientação sexual. Uma data que ultrapassou todas as fronteiras e veio para ficar. Por tudo isso, lembrai e lembrai do cinco de novembro, com ou sem máscara de Guy Fawkes.

Vídeo do grupo Anonymous com chamada para o dia cinco de novembro de 2013:

Publicado também nos sites do Centro de Mídia Independente (CMI) em 05/11/2013; LinkedIn, em 05/11/2015; e Outras Palavras, em 08/11/2015.