Cena do filme Mustang
Em
1972, o ex-Beatle John
Lennon juntamente com
sua esposa, a artista plástica Yoko
Ono, lançaram uma canção intitulada “Woman is the Nigger of the World”
(“Mulher é o Negro do Mundo”) cujos versos iniciais dizem:
“Woman is the nigger of the world / Yes, she is…think about it / Woman
is the nigger of the world / Think about it…do something about it”;
“We make her paint her face and dance / If she won’t be a slave, we say
that she don’t love us / If she’s real, we say she’s trying to be a man / While
putting her down, we pretend that she’s above us”;
(“Mulher é o negro do mundo / Sim, ela é…
Pense sobre isso / Mulher é o negro do mundo / Pense sobre isso… Faça alguma
coisa sobre isso”;
“Nós a fazemos pintar a sua face e dançar /
Se ela não for uma escrava, nós dizemos que ela não nos ama / Se ela é
verdadeira, nós dizemos que ela está tentando ser um homem / Enquanto nós a
colocamos para baixo, fingimos que ela está em cima de nós”).
Esta
canção foi considerada forte à época de seu lançamento. Mesmo no tempo
presente, ela é considerada assim, mas, nestes dias em que estupros coletivos e
outros tipos de violências – físicas ou morais – contra as mulheres são,
infelizmente, cada vez mais comuns, ela soa mais atual do que nunca.
Dois
filmes de diretores estreantes lançados recentemente, refletem e reforçam
simultaneamente os versos da canção. O primeiro é o filme turco Mustang (idem, 2015), da diretora Deniz Gamze Ergüven.
O filme conta a história de cinco adolescentes órfãs que vivem em uma pequena
aldeia no interior da Turquia cuja sociedade é retrógrada e de moral
ultra-conservadora. No último dia de aula na escola, elas juntam-se a um grupo
de rapazes para brincarem, inocentemente, na praia. Uma vizinha testemunha a
brincadeira e, escandalizada, afirma que elas se comportaram como prostitutas.
O tio das meninas obriga-as a irem ao hospital para fazer um teste de
virgindade e fecha-as em casa durante todo o verão. As atividades domésticas
substituem a ida à escola e começam-se a arranjar casamentos. As meninas,
animadas pelo desejo de liberdade, procuram por todos os meios contornar as
regras que lhes são impostas. O nome do filme, além de referir-se a uma raça de
cavalos selvagens, é uma metáfora da adolescência: ardente, poderosa e sensual.
A
jovem – e bonita – cineasta diz ter sentido a necessidade de explicar “o que é ser mulher nos dias de
hoje na Turquia, uma questão que está a ser muito debatida e que é muito
polemica neste momento na sociedade turca, onde as mulheres e as adolescentes
pouco podem se exprimir”. E acrescenta:
“Eu
quis fazer destas meninas umas heroínas, figuras de coragem, de inteligência,
de perseverança e de uma série de valores que raramente as mulheres têm no
cinema. Elas fazem-me lembrar um pouco James Dean, há algo de contestatário,
mas bonito, com toda a beleza, a frescura, a juventude. E mesmo que isso possa
ser considerado um ponto de vista crítico, é uma crítica importante e que gera
algo positivo”.
O
filme foi exibido no último Festival de Cannes e ganhou o prêmio “Label Europa
Cinemas” da seção “Quinzena dos Diretores”.
A
indústria cinematográfica na Etiópia é paupérrima, tendo lançado somente quatro
filmes até hoje. Seu filme mais recente chama-se Difret (idem, 2014), dirigido por Zeresenay
Mehari, que também é o autor do roteiro baseado em uma história real.
O filme conta a história ocorrida há 20 anos atrás da jovem Hirut. Com apenas
14 anos, Hirut é uma excelente estudante cuja morada fica a três horas da
capital etíope, Addis-Abeba. Um dia, quando retornava da escola, Hirut é
raptada por homens a cavalo para casar-se com um deles. O rapto pré-nupcial é
um costume muito antigo que sobrevive na Etiópia em pleno século XXI. Porém,
Hirut não quer tornar-se uma esposa tão nova, recusa-se a casar e é violentada.
Ela escapa do cativeiro e mata seu raptor. Ao ser acusada de assassinato, uma
advogada de Addis-Abeba decide ajudá-la. É o confronto entre dois mundos: o
moderno e o arcaico.
O
filme tem produção executiva de Angelina
Jolie e recebeu, em
2014, o prêmio do público dos festivais de Berlim, Sundance e do Cinema Mundial
de Amsterdam. Na língua amárica, a língua oficial da Etiópia, “difret“
significa “coragem”.
Difret foi lançado em circuito comercial na
Alemanha em 12 de março último e Mustangfoi
lançado na França em 15 de junho (e, se não houver censura por parte do governo
local, estréia na Turquia em outubro, em dia ainda a ser definido). Ainda não
há previsão para lançamento de ambos os filmes em circuito comercial no Brasil.
Aproveito
a oportunidade para dedicar este modesto texto a todas as mulheres do mundo.
Veja
o trailer do filme Mustang (legendas em francês):
Veja o trailer do filme Difret (legendas em espanhol):
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